Minas Gerais

NOVO CONTEXTO

Para analista, ainda é cedo para afirmar que relação entre Zema e ALMG será fácil

Divisão da base governista, conjuntura política e fator Lula devem influenciar tratativas entre Executivo e Legislativo

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Assembleia está sendo presidida por deputadas neste mês de março - Foto: Guilherme Dardanhan / ALMG

No cenário em que apenas 20 dos 77 parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) não são da base do governo de Romeu Zema (Novo), muito tem se avaliado sobre qual será a capacidade política do governador de aprovar seus projetos no Legislativo mineiro.

O número expressivo de aliados, que se configura em uma maioria absoluta dentro da Casa, tem preocupado partidos e setores de oposição ao governo de Minas. Para se ter uma ideia, com os votos dos 57 parlamentares que o apoiam, Zema conseguiria aprovar qualquer projeto, inclusive mudanças na Constituição do Estado.

“Tem sido comum na cobertura jornalística da imprensa empresarial dizer que o governador tem o cenário dos sonhos. Se nós considerarmos apenas esses primeiros números, poderíamos dizer que a Assembleia recupera o caráter governista que ela tradicionalmente teve”, comenta Claudemir Francisco Alves, coordenador do Monitoramento dos Poderes Públicos do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Ele destaca que a ALMG possui em sua história recente a tendência de se posicionar de forma alinhada ao governo estadual, com exceção dos períodos de mandato de Fernando Pimentel (PT) e da primeira gestão de Zema.

Olhando apenas por esse lado, é comum chegar à conclusão de que, com essa conformação, o governador terá mais facilidade para emplacar suas prioridades, como a venda da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e de outras estatais mineiras.

Base dividida e primeira derrota

Porém, na avaliação de Claudemir, a situação é mais dinâmica e complexa. Como exemplo, o analista destaca que o objetivo de Zema era conseguir conformar um bloco de apoio na ALMG. Porém, a base do governador ficou dividida em dois.

O maior da Casa, o bloco de governo, denominado “Minas em Frente”, tem 33 deputados do Novo, PSD, Republicanos, PP, Podemos, PSC, PMN, União e Avante, e é liderado por Cássio Soares (PSD).

Os outros 24 deputados aliados de Zema, estão no “Avança Minas", que se apresenta como bloco de “sustentação” ao governo e possui parlamentares do PL, Patriota, MDB, PDT, PSB, PROS, Solidariedade e da federação PSDB-Cidadania. A liderança do bloco é de Gustavo Santana (PL).


Deputado estadual Gustavo Santana (PL) em reunião na Comissão de Meio Ambiente / Foto: Elizabete Guimarães / ALMG

“Isso significa dificuldades para negociação. Ele terá que negociar duplamente quando houver a necessidade de submeter seus projetos à ALMG. Há algum nível de desentendimento aí que pode, ao longo desses quatro anos, significar algum ruído”, avalia Claudemir.

Outra questão já enfrentada por Zema logo no início da atual legislatura da assembleia, foi a eleição da presidência da Casa. Mesmo tendo maioria numérica, o governador não conseguiu garantir que um de seus nomes saísse vitorioso na disputa.

Ao longo do processo, Zema defendeu os nomes de Roberto Andrade (Patriota) e Duarte Bechir (PSD) para conduzir o Legislativo mineiro. Somente aos 45 minutos do segundo tempo, quando percebeu que não conseguiria garanti-los, que o governador declarou apoio à Tadeu Martins Leite (MDB), que foi candidato único no pleito.

O que vai dinamizar é a conjuntura política

Claudemir destaca que, ainda que nem tudo “sejam flores” para o governador, também é precipitado comemorar. O que irá dinamizar a relação da presidência e de parte dos deputados da base de Zema com o Executivo, segundo o pesquisador, será a conjuntura política.

“Assim como não dá para se esperar que venham para o governo quatro anos de céu de brigadeiro, sem nenhuma nuvem no caminho, também não há de se esperar que a presidência da ALMG se posicione no campo de interesses da oposição. Ao que parece, apenas os elementos da conjuntura, os embates que vão ser estabelecidos ao longo dos próximos anos, poderão forçar a presidência da Assembleia mais para um lado ou para outro”, avalia.

Ao mesmo tempo, para o analista, existem outros motivos para comemoração. Um deles, é a eleição da deputada Leninha (PT) como vice-presidenta da Casa. Essa é a primeira vez que uma mulher ocupa o cargo. Além disso, também é inédito o fato do campo da oposição ocupar duas cadeiras na Mesa Diretora da ALMG.


Deputada estadual Leninha (PT), atual vice-presidenta da Assembleia / Foto: Guilherme Bergamini / ALMG

Cenário nacional também impacta

No segundo turno das eleições presidenciais de 2022, Zema declarou apoio e ajudou a articular a campanha de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) em Minas. Com a derrota do ex-presidente, se configura um contexto diferente daquele da primeira gestão de Zema, quando seus interesses eram alinhados aos interesses do governo federal.

“Havia uma certa concepção de estado que era comum entre os governos Zema e Bolsonaro. Agora, você tem um projeto político distinto no governo federal, representado por Lula (PT)”, avalia Claudemir.

Ele destaca que projetos caros para o governador, como a aprovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que implica em privatizações e mudanças na relação com o funcionalismo público, dependem do diálogo com o presidente.

Na última semana, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais do governo Lula, Alexandre Padilha (PT), fez declarações contrárias à proposta do governador mineiro.

“Não vamos usar os instrumentos que a União tem para estimular qualquer plano de privatização, qualquer plano privatista, que desmonte as políticas públicas de qualquer estado”, afirmou em vídeo.

Postura de Zema

Se durante seu primeiro mandato, Zema nutriu boas relações com Jair Bolsonaro, com a Assembleia de Minas foi diferente. Além de recorrer à Justiça e desrespeitar decisões tomadas pelo parlamento mineiro, o governador demonstrou inabilidade e falta de vontade de articular com o Legislativo.

Para Claudemir, a postura que Zema terá em seu novo mandato também é importante para compreender como se dará a relação entre o Executivo e a ALMG.

“A dificuldade de diálogo nos quatro anos passados se deveu a má vontade, incompetência e desinteresse político do governo Zema. Do ponto de vista ideológico, ele tratava a ALMG como uma Casa de pessoas desinteressadas pelo bem público. Tratava o parlamentar como se ser político fosse um crime. Havia uma criminalização da política e isso marcou muito fortemente o início do mandato. Há que se ver se o governo Zema aprendeu a lição, ainda mais neste momento que ele conta com uma ampla base de apoio”, avalia. 

Oposição precisa aproveitar fissuras

Diante da complexidade do cenário, o coordenador do Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp acredita que a oposição deve explorar as contradições existentes na base de apoio do governo e terá que ser propositiva no diálogo para conseguir atuar na Casa.

Claudemir destaca que o PSD, por exemplo, vinha apresentando uma tendência a se colocar junto ao campo da oposição. Porém, para o segundo mandato de Zema, além de compor a base do governador, é a sigla que preside um de seus blocos de apoio.

“A possibilidade de atuação da oposição será na construção do diálogo, aproveitando das fissuras, que sabemos que existem dentro do campo governista. Por exemplo, nem todos os deputados da base do governo estão ali de forma convicta. Alguns têm se definido como ‘independentes’, mesmo estando em um bloco da base governista”, conclui.

Edição: Larissa Costa