O prefeito quer transformar o território do Serro em uma grande província de exploração mineral
Reconhecida como patrimônio histórico e cultural em 1938, o Serro foi uma das primeiras cidades brasileiras tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Se não bastasse todo o acervo urbano-paisagístico e os inúmeros monumentos artísticos, o Serro também abriga, em seus diversos distritos, um território belíssimo repleto de paisagens do cerrado, campos rupestres e as várias cachoeiras e córregos de águas cristalinas.
A cidade ainda é palco de grande concentração de patrimônios imateriais tombados, como os diversos territórios quilombolas reconhecidos, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, os Congados, Marujadas, Caboclos, Catopês e o modo artesanal de produção do queijo.
A Prefeitura recentemente colocou em todos os trevos da cidade placas enunciando as boas-vindas à “Terra do Queijo”, porém, na contramão de valorizar a agricultura familiar e a tradicionalidade da produção da iguaria, o prefeito Epaminondas Miranda (PL), correligionário de Bolsonaro, tem aberto as fronteiras do Serro para liberar toda a região para a mineração.
A luta pela demarcação do Serro como um território livre de mineração é urgente
Logo no início de seu mandato, um dos seus primeiros atos foi a assinatura da carta de conformidade que libera o projeto de mineração para a empresa Herculano. Projeto este carregado de ilegalidades, alvo de diversos inquéritos no Ministério Público, enfrenta forte resistência da população serrana e que possui diversas contestações técnicas devido a seus impactos nas comunidades, na saúde local, no patrimônio histórico do município, na destruição da paisagem, das águas e nos modos de vida tradicionais da região.
A mineradora Herculano é ré no processo que apura as responsabilidades do rompimento de sua barragem de rejeitos em Itabirito (MG), em 2014, que matou três trabalhadores e causou graves impactos na bacia do Rio da Velhas. Os donos da empresa, apesar de serem acusados por homicídio doloso e crimes ambientais há nove anos, ainda não foram julgados e tentam causar novas destruições com o projeto de mineração no Serro.
Serro não merece esse destino
O prefeito, além de permitir e fazer campanha para o empreendimento da Herculano, parece querer transformar o território do Serro em uma grande província de exploração mineral. Novos projetos estão sendo pleiteados com seu apoio, o da Ônix Mineração próximo à comunidade quilombola de Queimadas; o da Minermang, na bela comunidade de Mato Grosso; e os diversos pedidos de mineração de quartzito e outros minerais nos distritos de Capivari, Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras.
A mais nova ação da Prefeitura, em conluio com as mineradoras, é uma obra de alargamento de uma estrada rural, que liga a MG 010 à área pretendida pelas mineradoras Ônix e Herculano. O prefeito justificou a necessidade de desmatamento de uma grande área de mata atlântica para melhorar o acesso para as comunidades. Porém, escolheu uma estrada pouco utilizada e justamente a via elencada pelas mineradoras como necessária de alargamento para permitir o escoamento da produção mineral.
Além disso, quem passa pelo local vê somente carros e funcionários das mineradoras operando as obras. A intervenção é, descaradamente, um desvio de atuação da Prefeitura para atender aos interesses das mineradoras. Ação que deve ser interrompida e condenada como crime urgentemente.
Mesmo diante da absurda e ilegal intervenção nas comunidades, os órgãos ambientais estaduais não realizaram nenhuma medida para impedir o crime. A ausência de atuação do governo do Estado não é uma surpresa, essa é política do governador Romeu Zema, que atua para entregar as serras de Minas para as mineradoras, independente do grau de destruição e do volume de ilegalidades nos processos.
Todas as comunidades, quando pleiteiam qualquer melhoria para a região, recebem uma negativa do prefeito, que sempre justifica que depende das empresas mineradoras para realizar obras no município. As escolas rurais estão em péssimas condições, as estradas estão abandonadas, a ponto de os ônibus escolares não conseguirem acessar determinados locais.
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O prefeito quer entregar a chave da cidade para as mineradoras. Além de negar serviços básicos e obrigações da Prefeitura, a atual gestão coage as comunidades afirmando que a única solução dos problemas se dará com a entrada dos projetos de mineração no município.
A terra do queijo, uma das primeiras cidades reconhecidas como patrimônio histórico e cultural do país, palco da maior concentração de patrimônios imateriais tombados e das diversas belezas naturais com águas, cachoeiras e paisagens exuberantes, merece um destino melhor. Não podemos permitir que o Serro se torne terra devastada por esse modelo de mineração que não tem nada a oferecer ao Brasil, a não ser rastros de miséria e destruição socioambiental.
A luta pela demarcação do Serro como um território livre de mineração é urgente e precisamos de ampliar as mobilizações para deter as mineradoras em conluio com a Prefeitura e Governo Zema. As comunidades já decidiram, a cidade opta por investimentos na agricultura familiar e em oportunidades que tragam renda e melhoria nas condições de vida.
A negação desses projetos minerários é crucial para garantia dos direitos das comunidades e para a defesa de nosso patrimônio histórico-cultural. Serro é uma cidade sem vocação para atividade minerária e deve ser mantida livre desse tipo de empreendimento.
Luiz Paulo Siqueira é biólogo, coordenador nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e colunista do Brasil de Fato.
Edição: Rafaella Dotta