O Rodoanel/rodominério, se for construído, será um crime maior que o da Vale S/A em Brumadinho
Juntamente com a articulação de movimentos sociais, técnicos, especialistas e organizações da sociedade civil, intitulada Movimento Todos em Luta Contra o Rodoanel, seguimos na luta pela anulação do leilão injusto e brutal desse megaprojeto que, se for construído na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), será um “rodominério”, estrada privada do grande capital e da morte.
Como é de conhecimento público, o Rodoanel terá mais de 100 quilômetros de extensão e 500 metros de largura de faixa. Os projetos, até então apresentados, são objetos de profundas críticas em razão de seus severos impactos socioambientais e descumprimento dos ritos mínimos, relativos ao processo de licenciamento ambiental, normas e acordos internacionais vigentes, como a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, estabelecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Diversos questionamentos têm sido levantados pelos movimentos sociais sobre a necessidade de realização dessa obra, que impacta 13 municípios da RMBH. Trata-se de uma obra faraônica e autoritária que, mais uma vez, repete o erro histórico de priorização do modelo rodoviarista e automobilístico, privatista, em detrimento de formas alternativas de transporte coletivo público de passageiros e de carga.
Trata-se, possivelmente, de ampliar os problemas já existentes. O Rodoanel desafogaria apenas cerca de 12% do trânsito do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, que seguiria intocado, com os problemas que apresenta diariamente: engarrafamentos, acidentes e mortes. Além disso, o Rodoanel provocará impactos ambientais sobre áreas de preservação, ampliação dos espaços para especulação imobiliária e desapropriações, que expulsarão milhares de famílias.
Adicionalmente, facilitaria o trânsito de mercadorias de interesse de mineradoras, principalmente da mineradora Vale S/A. É importante lembrar que R$ 3 bilhões que o governador Zema aplicará na construção são provenientes do acordo da tragédia-crime da Vale S/A em Brumadinho.
Impactos
Esse famigerado Rodoanel/rodominério ameaça o patrimônio ambiental, histórico, arqueológico e cultural de interesse metropolitano e nacional. A Alça Oeste afetará em Contagem e Betim, a região de Várzea das Flores, área que garante o abastecimento hídrico de Belo Horizonte e de municípios da região metropolitana. No município de Contagem, cerca de 70 povos e comunidades tradicionais serão impactadas pelo empreendimento. Entre essas, a histórica comunidade quilombola dos Arturos.
A Alça Sudoeste do Rodoanel/rodominério afetará de forma absurda a área de entorno do Parque Estadual da Serra do Rola Moça e seus mananciais, que garantem o abastecimento hídrico de Ibirité, de parte de Belo Horizonte e da RMBH, além do importante cinturão verde de agricultura familiar.
A Alça Norte violentará também a importante região de recarga hídrica do Rio das Velhas, territórios tradicionalmente ocupados pelas comunidades quilombolas e sítios históricos, como um cemitério de pessoas negras escravizadas do século 19, tombado pelo município de Santa Luzia, bem como o terreiro do Manzo Ngunzo Kaiango, bem imaterial reconhecido como patrimônio cultural imaterial, desde outubro de 2018, pelo Iepha.
Milhares de famílias da agricultura familiar da RMBH serão brutalmente violentadas com o Rodoanel.
A Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N'golo) entrou previamente com ação civil pública contra a realização do leilão do Rodoanel sem licenciamento ambiental e sem consulta prévia às comunidades afetadas. O documento cita as comunidades quilombolas de Pinhões, em Santa Luzia, Manzo Ngunzo Kaiango; comunidade quilombola Nossa Senhora do Rosário, de Justinópolis, em Ribeirão das Neves; comunidade quilombola dos Arturos, em Contagem; comunidade quilombola Mangueira, em Belo Horizonte; e comunidade quilombola Pimentel, em Pedro Leopoldo.
A Ação Civil Pública se encontra em agravo na segunda instância da Justiça Federal. Um desembargador decidirá sobre o assunto em breve. O Incra e a Fundação Palmares estão no polo passivo da ação civil pública. Precisamos com urgência do compromisso do presidente Lula e seus ministérios na defesa dos povos e de toda a biodiversidade da RMBH diante do rodominério, obra eleitoreira, autoritária, ecocida, hidrocida e brutalmente devastadora sob todos os aspectos.
Há ainda muitas outras comunidades tradicionais que podem ser afetadas, como, agricultores familiares, povos de terreiros, povo cigano, povo do Reinado/Congado, entre outras unidades territoriais tradicionais por serem inventariadas e mapeadas na RMBH.
A Comissão dos Povos e Comunidades Tradicionais atingidas pelo o Rodoanel, em carta publicada em 3 de agosto de 2022, fez a denúncia e repudiou as ações do governo estadual de MG. “O Rodoanel impactará de forma profunda e radical os nossos territórios sagrados, ecológicos e ancestrais”, diz o texto.
Leilão
A despeito do amplo questionamento por parte de movimentos socioambientais, povos e comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil, o governo de Minas Gerais realizou de forma autoritária, na Bolsa de Valores de São Paulo, no dia 12 de agosto de 2022, o leilão para concessão do projeto e das obras do Rodoanel.
A transnacional italiana INC S.P.A, única empresa que concorreu ao leilão, pagou o valor de contraprestação apresentado de R$ 91,4 milhões pelo prazo de 30 anos, devendo investir ainda o valor de R$ 2 bilhões.
Pelo edital de licitação, Minas Gerais se compromete a repassar para a empresa R$ 5 bilhões, caso o governo resolva cancelar o projeto. Essa cláusula, segundo juristas, configura crime de improbidade administrativa do governador Romeu Zema, pois viola flagrantemente a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Alternativas
Como propostas alternativas à construção do Rodoanel defendemos:
1) Ampliação do metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH;
2) Resgate do transporte de passageiros por meio de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos avançados, inclusive da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) e da Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais;
3) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH;
4) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente, será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e mais 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo governo de Minas e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo governador Zema, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel.
Em síntese, o Rodoanel/rodominério, se for construído, será um crime maior que o da Vale S/A em Brumadinho.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; professor de teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica).
--
:: Leia outros artigos da coluna de Frei Gilvander Moreira ::
--
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Larissa Costa