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Zema põe a juventude da periferia à venda

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O modelo de parceria público-privada (PPP) para o futuro centro de ressocialização de Minas Gerais tem como base a Lei Federal 13.079/04 - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A relação entre administração pública, mercado e imperialismo é constituidora do racismo estrutural

Uma das heranças do golpe de 2016 é o avanço do mercado sobre todas as políticas públicas, com especial atenção para a educação, a saúde e a ressocialização de crianças e adolescentes infratores. Quanto a esta última modalidade, estamos em fase de implementação de centros socioeducativos privatizados em Minas Gerais e em Santa Catarina.

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As instituições e movimentos que defendem os direitos de crianças e adolescentes já tiveram que lidar com parcerias com instituições privadas por meio de convênios entre o poder público e organizações sociais (OS).

Já se sabe que essas experiências não se demonstraram exitosas para a ressocialização, além de carecerem de transparência e serem de forma geral mais custosas para o Estado. Porém, os riscos que agora se apresentam podem ser de natureza ainda mais perigosa para a juventude negra periférica.

O modelo de parceria público-privada (PPP) para o futuro centro de ressocialização de Minas Gerais tem como base a Lei Federal 13.079/04. Não se trata da simples transferência de funções para a suspeita fórmula “sociedade civil” sem fins lucrativos, mas sim para empresas com fins lucrativos em diversas esferas.

O fascismo não é resultado apenas do bolsonarismo, mas do atual padrão de acumulação capitalista

Nesse modelo, as empresas privadas têm sua remuneração em contraprestações calculadas por índices de desempenho, que tem, entre suas determinantes, o número de internos. Outras determinantes, como satisfação, podem ser facilmente negligenciadas por auditorias internas, vinculadas internacionalmente ao negócio de PPPs, como a famosa Ernst & Young, que têm interesse em apresentar bons resultados para reforçar a expansão do mercado da indústria de serviços por meio de políticas públicas.

Especulação financeira

Além disso, as PPPs, nesse modelo, são contratos de longo prazo que impõe ao poder público grandes ônus para sua interrupção, sendo no mínimo de 20 anos e podendo chegar a 35 anos. O absurdo é tanto, que os valores a serem recebidos no decorrer dos anos de contrato são considerados como ativos das sociedades de propósito específico (SPE), que atuam como as concessionárias de fato do empreendimento.

As SPEs cobram do poder público, no presente, os juros sobre esses valores que podem vir a receber nos futuros anos de contrato. Essa é uma forma de especulação financeira sobre capital fictício inserida diretamente na prestação de serviços públicos.

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Não bastasse isso, as próprias SPEs são criadas por grandes empresas para executarem serviços públicos, podendo tanto ter suas ações negociadas no mercado secundário de ações, como serem integralmente vendidas. Dessa forma, a prestação do serviço público, independentemente do consórcio que tenha sido o vencedor da licitação, pode ser transferida entre diversas prestadoras, de acordo com os interesses especulativos de um sem número de agentes do mercado.

Racismo estrutural

A relação entre administração pública, mercado e imperialismo é desde o século 19 constituidora do racismo estrutural. Criminalização da juventude negra, abandonada pela atual etapa de acumulação capitalista, capitaneada pelas políticas neoliberais e caracterizada pela financeirização da vida em seus diversos aspectos, chega pela formulação de encarceramento num ponto de culminância que precisa ser combatido sem hesitação.

O fascismo não é resultado apenas do bolsonarismo, mas do atual padrão de acumulação capitalista, que precisa arrastar pretos para o cárcere e para a morte como uma nova fronteira de negócios, como os arrastou para os navios negreiros.

Romeu Zema se candidata a representante dessa necropolítica, colocando a juventude mineira no mercado das almas.

Fábio Garrido é mestre em Educação, assessor de governança comunitária do Instituto Guaicuy e militante do Movimento Brasil Popular

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Edição: Larissa Costa