Primeira mulher a ocupar a presidência do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais (CES-MG), Lourdes Machado foi empossada no mês passado. Com uma longa trajetória no serviço público e nas lutas em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), ela já foi presidenta do Conselho Regional de Psicologia (CRP) e, com o novo desafio, busca contribuir com a reconstrução do SUS no estado.
Na avaliação de Lourdes, o país passou por um período de tentativas de desmonte do sistema, que é referência mundial em termos de qualidade de serviço, por parte da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Com o novo governo, o momento é de esperança. Porém, ela destaca que em Minas Gerais, é preciso enfrentar a lógica privatista do governo de Romeu Zema (Novo), que trata a saúde pública como mercadoria e busca entregá-la para a iniciativa privada.
“O SUS é público, universal e todos os brasileiros têm o direito a esse serviço de qualidade. Quando uma empresa entra, o objetivo dela é ter lucro. Mas, a saúde não é mercadoria, ela não se vende. Isso é um princípio básico, mas, para o Partido Novo, a saúde é vendável”, afirma.
Para entender os desafios, principais lutas e o papel da participação social na defesa do SUS em Minas Gerais, o Brasil de Fato MG conversou com a nova presidente do CES.
Confira:
Brasil de Fato MG – O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), é um dos grandes defensores da privatização dos serviços públicos. Na sua avaliação, quais são os impactos dessa prioridade do governo na área da saúde?
Lourdes Machado – Zema e o Partido Novo querem entregar o patrimônio público para a iniciativa privada. Eles vêm construindo essa lógica em Minas. O SUS é público, universal e todos os brasileiros têm o direito a esse serviço de qualidade. Quando uma empresa entra, o objetivo dela é ter lucro. Mas, a saúde não é mercadoria, ela não se vende. Isso é um princípio básico, mas, para o Novo, a saúde é vendável.
A mercantilização, em função dos ideais neoliberais, diminui a agilidade e a qualidade do serviço. Em todos os lugares onde houve esse processo, não deu certo. Isso porque gera uma fragmentação no sistema, problemas na regulação, falta de transparência, falta de monitoramento, alta rotatividade profissional e um impacto no vínculo empregatício.
As parcerias público-privadas (PPPs) e as terceirizações ameaçam os direitos sociais, que foram tão duramente conquistados por nós. Elas se contrapõem à proteção social atribuída ao Estado.
Como o governo de Minas tem buscado entregar as estruturas do SUS para a iniciativa privada? Quais processos de privatização estão em andamento?
A grande dificuldade que temos, desde que iniciou o primeiro mandato do Zema, é a questão da privatização e da terceirização dos serviços no SUS. Nós precisamos reverter esse processo e garantir o sentido público e democrático da gestão do SUS em Minas Gerais. Já está amplamente comprovado que as organizações sociais (OS), as PPPs e as terceirizações não melhoram a gestão do SUS e, frequentemente, estão ligadas a maiores custos e, às vezes, a práticas de corrupção. A resolução dos impasses que temos, não pode ser com a privatização da saúde.
A municipalização [do CMT e do Cepai] é urgente
Além de não ter finalizado a construção dos Hospitais Regionais, atualmente o governo de Minas busca entregar para a iniciativa privada estruturas da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Por exemplo, os antigos Centro Mineiro de Toxicomania (CMT) e Centro Psíquico da Adolescência e Infância (Cepai), em Belo Horizonte. Temos previsto no edital da Fhemig um processo de seleção pública para a contratação desses serviços. Isso é um grande retrocesso, porque nos dá a iminência de um desfecho muito desfavorável para a saúde pública, no momento em que esses serviços forem terceirizados.
Os dois Centros foram credenciados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) há dez anos e prestam assistência só ao município. Além disso, a gerência desses serviços integra a rede de saúde mental da capital. Acontece que a PBH não quer municipalizar o serviço, como foi proposto pela Fhemig. Não houve acordo entre o governo e a prefeitura e, sem levar para o CES, a Fhemig lançou um edital que prevê a terceirização dos dois serviços. Nossa principal luta atual é para que o edital seja revogado. A municipalização é urgente.
O SUS, como política pública nacional, também sofreu tentativas de desmonte por parte do governo de Jair Bolsonaro (PL), que também é um dos defensores da privatização dos serviços públicos. Com a eleição de Lula (PT), você acredita que o cenário é melhor?
Estamos no início de um governo federal que traz muita energia e esperança na retomada dos direitos da saúde e do Estado voltar a cumprir com o seu dever. É muito importante defender e reconstruir o SUS, pois ele foi dilapidado no governo anterior.
O CES tem uma posição de inconformidade frente aos ataques à democracia que vivemos nesse último período. Além do caos sanitário e social, com o período da pandemia, com falta de vacina e negação da ciência. Ao mesmo tempo, tiveram pandemias paralelas de fome, frio e desemprego. Entendemos que os historiadores terão muita dificuldade de retratar o que vivemos. Os últimos quatro anos foram marcados por muitas dificuldades, que acentuaram a necessidade de lutar por saúde pública de qualidade, pela ciência e pela igualdade. Ficou muito mais elucidado o papel importante do controle social.
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Acredito que uma das maiores violências do Estado é a violência da fome. Então, a saúde precisa estar relacionada com isso, impondo uma agenda positiva para que consigamos fazer com que a fome não faça mais parte da vida dos brasileiros e brasileiras. A questão da insegurança alimentar, em seus diferentes níveis, precisa ser tratada por todas as áreas sociais, inclusive na saúde.
Qual a importância da participação social e dos conselhos no processo de reconstrução do SUS e do Brasil?
Os conselhos de saúde têm papel fundamental, assim como as conferências. O CES é paritário e tem 84 representações, metade dos movimentos sociais e usuários, 25% trabalhadores e 25% gestores e prestadores de serviços. Queremos criar consensos para definir as pautas do controle social sem entrar na disputa de narrativa. Nosso primeiro objetivo é sentar democraticamente e discutir as principais pautas.
O controle social é a capacidade que a sociedade tem de interferir na administração pública, orientando a ação do Estado e os gastos para interesses coletivos. Toda essa ação objetiva a construção de políticas públicas de qualidade, que sejam inclusivas e de todas e todos.
Não tem como negar que o controle social é o compartilhamento de poder, é um recurso democrático.
Edição: Larissa Costa