De repente, uma data cara ao movimento das mulheres, o 8 de março, foi sequestrada por um deputado federal extremista de direita. Ao subir na tribuna daquele parlamento vestido de uma peruca loira e proferir uma meia dúzia de impropriedades, conseguiu atrair para si, e para sua pauta, todas as atenções do dia.
Consideradas como molecagem, por alguns, e como crimes, por outros, as atitudes deste deputado objetivam atingir ao mesmo público e seguem à mesma lógica de ação que levou Bolsonaro à Presidência da República.
Quanto ao público, pretendem atingir aqueles cujas as descrenças nas instituições sociais e políticas, nos sindicatos, nas universidades, na grande imprensa, nos partidos, nos parlamentos, nos governos, no poder judiciário chegaram ao limite.
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Quanto ao objetivo, trata-se de “esticar ainda mais a corda”, promovendo uma radicalização ainda maior nesses grupos, levando-os à ruptura institucional, provocando situações como as que ocorreram no dia 8 de janeiro do corrente ano.
O apelo é moral. Em um mundo no qual se acredita dividido entre o bem e o mal, é muito fácil, haja vistas os feitos de Jeová em Sodoma e Gomorra, encontrar nos comportamentos sexuais considerados por eles como pervertidos a culpa por todos os outros males (reais ou imaginados) que abatem sobre eles mesmos e a sociedade em geral.
Não por menos, as estatísticas revelam que grande parte de seus eleitores é composta por cristãos conservadores, sejam protestantes, evangélicos, neopentecostais, católicos ou espíritas kardecistas. Descrentes nas instituições humanas, apegam-se a Deus e, mais facilmente ainda, ao discurso moralista.
Deboche
Para além da pregação propriamente religiosa largamente difundida nesses ambientes, a estratégia discursiva e performática da extrema direita parece seguir também a outros padrões, o deboche e a falsa simetria e analogia.
A intenção é a de provocar ainda mais o descrédito das instituições, por meio da zombaria insistente, do escárnio, ironia e zoação. Com efeito, a peruca loira usada pelo deputado não tinha apenas o objetivo de ridicularizar as mulheres, as trans ou mesmo as causas legítimas que elas sustentam, mas ao próprio Parlamento como local sério e apropriado para debates de temas urgentes e complexos, como a pauta LGBTQIA+.
Falsas simetrias
Outra forma de simplificar, ridicularizando, questões complexas é a promoção de falsas simetrias e analogias. Fazem isso quando, por exemplo, postam uma imagem de dois homens acompanhados de duas crianças e ao lado de outra, um cão, uma cadela e seus filhotes, a qual afirmam se tratar de uma família, deixando apenas um ponto de interrogação para designar a primeira imagem.
Por mais tosca que essa comparação possa parecer, ela funciona como reforço aos olhos daquelas pessoas cujas mentes foram forjadas no preconceito. Aliás, como se tratam de ideias amplamente difundidas no senso comum, é muito mais fácil o trabalho de reforçá-las do que o de enfrentá-las, uma vez que vão de encontro ao que as pessoas inicialmente pensam sobre o assunto.
De modo que, ao asseverarem o discurso moral sobre essas massas, pretendem com isso provocar o levante social, uma verdadeira cruzada moral contra “as sórdidas intenções dos gays e dos comunistas”, enfim, do próprio demônio, cujo plano seria o de destruir as famílias e dominar toda a terra.
Depois do feito no dia 8 de março, o deputado foi ao twitter vangloriar-se do ato e de seus 350.000 novos seguidores. Equiparou-se à Paulo, dizendo que, tal como o apóstolo, mesmo diante da prisão não abandonaria a sua fé. E, em tom de ameaça, disse que se cassado fosse, levantaria mais de 10.000 extremistas em sua defesa.
Parte de sua fama deveu-se às redes sociais da própria esquerda que, no afã de denunciá-lo, serviram para promovê-lo e, com ele, a sua pauta.
Dimas Antonio de Souza é professor de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Twitter: @prof_Dimassouza e Instagram: @prof.dimasoficial
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida