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O que fez a oposição ao governo Lula nos primeiros cem dias?

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A verdadeira oposição ao governo Lula não é a oposição oficial. Ela não se declara oposição, mas sua labuta contra o governo é feita em plena luz do dia. - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Oposição foi marcada pelas negociações com a direita fisiológica (vulgo Centrão)

No dia 10 de abril o governo Lula completou 100 dias. O presidente convocou reunião ministerial onde fez um discurso celebrando os avanços de seu governo e indicando os caminhos futuros. Por mais que seja sempre bom ler sobre a retomada de programas como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, este tipo de análise já é abundante na imprensa, especialmente na imprensa popular. Continuarei, portanto, com meu ingrato – e totalmente autoimposto – suplício de narrar as peripécias da oposição ao governo Lula. O que fez a oposição ao governo Lula nos primeiros cem dias?

Antes de responder à pergunta, cabe fazer dois apartes. Primeiro, apesar de o governo apenas agora estar completando cem dias de vida, a oposição ao governo Lula já tem 162 dias de vida. A oposição ao então futuro governo Lula começou com o próprio governo Bolsonaro. Também antes da posse em primeiro de janeiro, a imprensa empresarial e militares se somaram à oposição. Portanto, peço desculpas por submeter esta análise dos primeiros cem dias de governo com 62 dois dias de atraso.

Oposição extremista

Segundo, a oposição ao governo Lula está longe de unificada. Portanto, cabe analisá-la de acordo com os principais agrupamentos de opositores. Começamos com a oposição que se declara abertamente como tal. Notamos de antemão que este grupo não é tão grande em Brasília, cidade onde o governismo é a religião com o maior número de fiéis. Mesmo as estimativas mais conservadoras devem sofrer baixas, na medida em que o governo abra os cofres para o Congresso.

Para além dos números, a oposição aberta ao governo Lula, centrada na extrema-direita bolsonarista, teve um péssimo começo de ano. A intentona golpista de 8 de janeiro diminuiu o apelo da extrema-direita na sociedade, ainda que isso não deve ser entendido como o fim do extremismo bolsonarista no país. Seu líder, o ex-presidente, fugiu acovardado para a Flórida. Seu retorno nada teve de triunfal, pois levou-o direto para a sala de depoimentos da Polícia Federal, onde teve que se explicar sobre as jóias que tomou “emprestado” da coleção presidencial.

Enquanto Bolsonaro lida com a justiça criminal e eleitoral, a oposição de extrema-direita passa vergonha no Congresso. Seus principais representantes, como o neofascista pocket Nikolas Ferreira e o menor brasileiro vivo, Sérgio Moro, são humilhados diuturnamente no congresso. Desconhecem as técnicas de oposição parlamentar e confundem a tribuna do Congresso com um picadeiro. Quando não estão cometendo crimes ao vivo, hábito frequente do transfóbico Nikolas ou do golpista Marcos do Val, estão sustentando a indústria da vergonha alheia, como faz Moro.


Senador Sergio Moro / Lula Marques/ Agência Brasil

Verdadeira oposição

A verdadeira oposição ao governo Lula não é a oposição oficial. Ela não se declara oposição, mas sua labuta contra o governo é feita em plena luz do dia. Aqui cabe elencar três grupos de oposição, que não por acaso se assemelham às confrarias de piratas das quais falei em minha última coluna.

A oposição dos militares, que em muito se misturam com a oposição bolsonarista, também foi silenciada pela intentona golpista de 8 de janeiro. Os militares acobertaram os golpistas dos acampamentos nas portas dos quarteis generais do Exército. Desarticularam o Batalhão da Guarda Presidencial e utilizaram o Gabinete de Segurança Institucional para facilitar a invasão do Planalto. Desde a troca do comandante do Exército pelo presidente Lula, a oposição fardada ao governo entrou em modo discreto.

Arthur Lira e seu bloco parlamentar certamente não serão oposição ao governo Lula. Lira foi eleito com apoio do governo e negociará a aplicação da metade do orçamento secreto que voltou para o governo. A “oposição” que seu bloco fará é aquela típica das milícias: criar um problema para vender a solução. Sem recompensas, a direita fisiológica (o “centrão”) não aprova nem tratamento de câncer para a própria mãe. O governo Lula, por meio do ministro Alexandre Padilha, tem se adiantado nas negociações e já colocado as propostas para aprovação prévia do Congresso, caso do tímido arcabouço fiscal e da reforma tributária. Portanto, mesmo que o governo ainda não tenha enfrentado votações no Congresso, a “oposição” do centrão já está em curso e deve se intensificar.

A grande oposição ao governo tem vindo do “partido liberal” que, por não possuir muitos votos populares, está representada pela imprensa empresarial e pelo mercado financeiro. Este agrupamento de oposição iniciou seus trabalhos com a PEC da transição (“PEC da Gastança”, como gostam de dizer). Enquanto o governo tentava recuperar o orçamento que serve aos mais pobres, o partido liberal brigava pelo sustento dos rentistas ricos.

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Quando Lula investiu contra o arrocho monetário do Banco Central dependente (do mercado financeiro), o partido liberal se alvoroçou. Nesta segunda, enquanto Lula revisitava os sucessos do governo, as grandes mentes do partido liberal demonstravam sua indigência intelectual em entrevista com o sociólogo Celso Rocha de Barros no Roda Viva. Celso, que pode ser colocado na centro-esquerda social-liberal, soava como um Fidel Castro perto do museu de caricaturas do Partido dos Trabalhadores que se apresentou sob a curadoria da enxadrista Vera Magalhães.

Com a apresentação do arcabouço fiscal e a conversão da parte do mercado financeiro que não queima dinheiro, o partido liberal ficou sem discurso, o que foi facilmente observado nas manchetes vazias sobre os cem dias de governo: estas lamentavam a falta de “novidades”, talvez em crise de abstinência do golden shower do primeiro ano de governo Bolsonaro. Para além dos editoriais caducantes do Estadão, a única oposição real do partido liberal veio do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, sobre quem já escrevi aqui. Com a inflação desacelerando e o dólar abaixo de R$ 5, Campos Neto deverá ser forçado a reduzir sua resistência ou, possivelmente, enfrentar uma demissão no Senado.

Portanto, a oposição ao governo Lula nos cem (ou 162) primeiros dias foi marcada pelo bolsonarismo picaresco pós-fiasco do golpe, pelas vacuidades liberais em apoio ao Banco Central e pelas negociações sobre o preço da direita fisiológica. Com certeza, o baixo nível intelectual e moral da oposição ao governo não significa incapacidade de impor dificuldades.

O governo enfrentou uma tentativa de golpe e ainda enfrenta a resistência do Banco Central e o custo do fisiologismo. Mas, certamente, as limitações seriam maiores se houvesse mais neurônios do lado de lá.

 

 

Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Leia outros artigos de Pedro Faria em sua coluna no Brasil de Fato MG

 

Edição: Elis Almeida