O Brasil está envelhecendo e a estimativa, segundo o IBGE, é que em 2050 sejamos o quinto país do mundo no ranking das maiores populações de idosos. Hoje, 18% dos brasileiros têm mais de 60 anos. No entanto, o preconceito e a falta de políticas públicas para idosos e idosas ainda é um desafio.
Para falar sobre o tema nós conversamos com a atriz e vereadora de Belo Horizonte Cida Falabella (PSOL). Além da consolidada carreira artística, Cida também é referência no debate - dentro e fora do parlamento - sobre o envelhecimento. No bate papo ela fala sobre as violências sofridas na Câmara Municipal, propostas e projeções para melhores condições dos brasileiros em sua velhice e em como o preconceito recai mais fortemente sobre as mulheres.
Quanto mais o país envelhece, mais o preconceito emerge
Brasil de Fato MG - Você sempre defende em seus discursos, posicionamentos e debates a questão da velhice. Recentemente casos de preconceito, especialmente contra mulheres, ganharam o debate nacional. No entanto, essa pauta ainda parece pouco debatida entre os brasileiros. Você poderia começar falando um pouco sobre o que é o etarismo e qual a importância do tema na atualidade?
Quando a gente fala de etarismo, obviamente não está ligado somente com o preconceito de pessoas idosas, serve também para nomear agressões aos jovens, quando você diz, por exemplo, que uma pessoa não está preparada para determinada coisa, ou quando tratam crianças como seres incapazes. Mas normalmente o termo está relacionado à velhofobia.
Quanto mais o país envelhece, mais o preconceito e a falta de visão de uma sociedade que respeita seus velhos, emerge. E eu gosto muito dessa palavra “velho - velha” eu prefiro ela ao invés dos eufemismos; “melhor idade, terceira idade, bela velhice”. Eu tenho reafirmado essas palavras com todo o respeito e experiência que ela deve trazer.
O Brasil sempre vendeu essa imagem de um país jovem, da juventude bronzeada, do sol, dos corpos jovens expostos e agora essa não é mais a verdade. Então a gente vai precisar sintonizar isso para poder construir inclusive essa vivência intergeracional. Essa troca entre as gerações que é tão rica para todos.
Pensando nas políticas públicas e de acesso à cidade, ainda há muitas barreiras para os idosos? O que pode ser construído neste sentido?
As cidades são feitas para o lucro, para destruir as coisas belas. E são hostis com os velhos. Cidades que dão preferência aos carros, cidades com poucos lugares para sentar. Existem experiências fora do Brasil que falam de cidades para sentar e brincar, fazendo referência à ocupação dos espaços públicos por velhos e crianças. Eu acho que a gente tem muito ainda para avançar.
No caso em especial das mulheres, após o climatério, normalmente elas são olhadas com menos atenção pela saúde pública, então a gente precisa pensar nessa mulher que envelhece e quer seguir com seu corpo saudável, tendo prazer e sendo bem cuidada. A gente precisa abrir esse debate de uma maneira mais franca com a cidade, com o Estado, com as políticas públicas para que a gente avance.
E um outro tema que a gente está começando a debater é a política de cuidados. Porque as mulheres historicamente estão ligadas a essa questão dos cuidados, quando na verdade o que a gente chama muitas vezes de “amor” é trabalho voluntário não remunerado, como cuidar das crianças para que outros trabalhem, ou cuidar dos idosos.
Nós estamos fazendo esse debate, inclusive conectado com o resto da América Latina. Elevando o cuidado ao nível de política pública, para pensar como a cidade pode propiciar uma vida melhor, na medida em que ela acolhe essas demandas e cuida junto e não deixa só nas mãos das mulheres esse cuidado.
Você acredita que o etarismo é mais forte para as mulheres?
O preconceito da velhofobia é relativo principalmente às mulheres, a esse controle dos corpos, dos cabelos embranquecendo ou azuis. Homens mais velhos normalmente são mais respeitados que as mulheres. E tem um fator também do próprio bolsonarismo, do fascismo que quer vender o novo como algo para ficar no lugar do velho. Não a toa que a maioria dos ataques que a gente sofre é desses jovens de direita, conservadores que gostam de nos chamar de velha, como se velha fosse um insulto.
Os xingamentos que a gente mais ouve aqui na Câmara são: velha, velha doida, velha bruxa, velha caduda, velha carcomida. De tudo isso eu sou chamada. Ou então dizem: “Por que você não se aposenta?”. Estou escrevendo um texto de teatro sobre ser velha e sobre essas violências que a gente sofre. Eu acho que a solução passa por tentar coletivizar essas dores e trazer outras mulheres para o debate.
Talvez um dos exemplos simbólicos destes ataques às mulheres velhas que ocupam a política seja o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que foi agredida de diversas maneiras e teve inclusive a sua competência questionada. Você concorda? Quem é sua inspiração na política?
A Dilma para nós é uma grande inspiração, uma mulher que tem essa resiliência e a força da verdade com ela. Uma mulher que se refez e refaz diariamente, mostrando que o compromisso dela é com o país e que sofreu violências por ser mulher e ser uma mulher velha na política.
A minha inspiração para continuar nessa luta é a Dona Helena Greco, que também foi vereadora em BH. É nela que eu miro quando eu me sinto violentada. Eu penso que em qualquer fase da vida a gente pode dar a nossa contribuição e o parlamento é um lugar de passagem, de transição e nele cabem velhas porque elas têm muita coisa para dizer e para construir.
Podemos contribuir inclusive trazendo para o parlamento essa experiência de ser avó. Porque eu acredito muito nessa junção velhos-crianças, porque são as duas pontas excluídas da sociedade. Eu acredito nessa junção para a gente revolucionar as cidades, pensar elas de outro ponto de vista, da fruição, do lazer e da cultura.
Acho que uma mulher velha pode trazer muita experiência, muita força, muito acúmulo de vivências na política e é por isso que eu ainda estou aqui, para dar essa contribuição.
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Edição: Elis Almeida