Com Novo Arcabouço Fiscal, economia não se movimentará como economistas progressistas gostariam
O texto final do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) foi divulgado na semana passada. Houve duas novidades principais para além do que já era conhecido. Primeiro, o teto de “reaproveitamento” de superávit primário como investimento público foi limitado a R$ 25 bilhões no próximo orçamento e corrigido pela inflação nos orçamentos até 2027.
Segundo, o governo manteve as capitalizações das estatais financeiras, como a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dentro do novo limite de gastos, que permitirá um crescimento de 0,6 a 2,5% por ano além da inflação. Capitalização e superávit primário podem parecer palavras complicadas, mas vamos destrinchar o que as novas informações significam.
Fazer capitalização de uma empresa significa investir mais capital nela. A capitalização de uma empresa estatal por parte do governo permite que a empresa tenha mais recursos para atuar. O BNDES e a Caixa são essenciais para mobilizar o investimento privado. O banco de desenvolvimento atua no crédito de longo prazo, especialmente em projetos que requerem tempo para dar retorno e, portanto, são arriscados.
Já a Caixa atua no mercado de habitação, setor em que o governo tem desafios enormes a enfrentar. Ao financiar a compra de imóveis, a Caixa garante aos construtores que haverá demanda para seus projetos. Capitalizações permitem que os dois bancos cumpram suas funções com tranquilidade e apoio do governo federal.
Decisão para evitar “ruído no mercado”
Ao colocar a capitalização dos bancos estatais dentro do limite de gastos, Haddad está sinalizando que o governo não pretende utilizá-las intensivamente. Com a nova regra, Haddad está dizendo que, caso o governo queira apoiar a expansão dos bancos estatais, terá que colocar esse apoio dentro do orçamento, disputando espaço com outros gastos, como o financiamento das universidades. Segundo Haddad, a decisão foi tomada para evitar “ruído no mercado”.
De fato, o reizinho do “mercado”, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deixou claro que esta é sua ordem: os empréstimos a juros razoáveis, como os praticados pelo BNDES, Caixa e Banco do Brasil – incluindo os generosíssimos empréstimos concedidos aos bilhões para o agronegócio –, supostamente atrapalham a política monetária de juros altos. A verdade é que os juros praticados pelos bancos privados (e, em alguns casos, até pelos bancos públicos) são tão altos, que a taxa de juros básica da economia tem que mudar muito para que os bancos se mexam.
A segunda novidade no arcabouço fiscal limitará o tamanho do investimento público. O arcabouço funcionará assim: o governo cumprirá uma meta de superávit primário, que é a diferença entre os gastos e receitas não-financeiras (saúde, educação, previdência etc.). Essa sobra de dinheiro é usada para pagar as despesas financeiras do governo, ou seja, principalmente os juros da dívida pública.
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O objetivo do governo é zerar o déficit em 2025 e voltar a ter superávits até o fim do mandato. O arcabouço fiscal também criou uma “banda” para a meta de superávit, permitindo alguma margem de manobra.
Caso o governo cumpra a meta de superávit com sobras acima da banda, poderá usar essas sobras para fazer investimentos públicos adicionais no ano seguinte. Isso pode ocorrer, por exemplo, se as medidas de Haddad para recuperar impostos devidos forem muito bem-sucedidas, superando as projeções do governo.
No entanto, o texto final do arcabouço enviado para o Congresso limita essa possibilidade a R$ 25 bilhões para o ano que vem. Ou seja, o governo está dizendo que, caso a situação da arrecadação seja muito boa, só uma parte dessa bonança pode ser convertida em investimentos em estradas, portos, ferrovias e outras obras. O resto vai parar limitar a dívida pública.
Investimento público garante que a economia não pare
As duas medidas, em conjunto, apresentam limitações ao investimento público e ao apoio ao investimento privado. O investimento público é essencial para a retomada do crescimento. Desde a contribuição de John Maynard Keynes – um grande pensador liberal, diga-se de passagem –, sabemos que o investimento, particularmente o investimento público, é o principal determinante do crescimento da economia.
Quando há muita incerteza entre os capitalistas, o investimento público garante que a economia não pare. Quando o governo garante que haverá obras, os capitalistas sabem que podem produzir cimento e aço para as obras. Eles também podem contratar trabalhadores, pois sabem que haverá demanda. Os trabalhadores sabem que terão salários e podem comprar mais. E os outros capitalistas, que produzem itens de consumo, sabem que os trabalhadores comprarão mais bens. A economia gira.
E nesse giro da economia, o apoio ao investimento privado, como fazem BNDES e Caixa, garantem condições para os capitalistas e as famílias fazerem planos de longo prazo, livres da influência de playboys que calhem de se tornar presidentes do Banco Central. A economia passa a girar não apenas com olhos para o presente, mas para o futuro. Trabalhadores financiam casas, capitalistas de médio-porte financiam novas fábricas.
As duas novidades do arcabouço fiscal dizem que o governo não vai poder atuar para criar esse giro da economia tão intensamente quanto economistas progressistas gostariam. É verdade que elas não são uma limitação imediata. É verdade que elas colocam limites com alguma folga, já que a restrição ao investimento público só terá efeito se o governo bater todas as metas de arrecadação. Novas capitalizações podem não ser necessárias e o governo pode se preparar para liberar orçamento para elas.
Ainda assim, as duas novas partes do arcabouço contêm uma mensagem, como o próprio Fernando Haddad apontou. Elas dizem que a retomada do investimento não poderá depender só do poder público, seja diretamente pelo investimento público ou indiretamente pelo apoio ao investimento privado. Resta, portanto, perguntar: de onde virá o investimento que a economia brasileira tanto precisa para voltar a crescer?
Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.
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Leia outros artigos de Pedro Faria em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa