Em meio à tentativa da empresa Herculano de viabilizar a atividade mineradora na cidade do Serro (MG), no Vale do Jequitinhonha, surgem graves denúncias de ameaças, abordagens violentas e constrangimentos. Moradores do Quilombo de Queimadas, comunidade que está questionando a mineração no local, estão sendo os mais atingidos.
Os relatos vieram à tona em uma audiência pública, realizada na Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na última terça-feira (25). Representantes da Herculano, aliados a grandes proprietários de terra e até mesmo ao poder público local, estariam ameaçando constantemente a população.
O estopim aconteceu há pouco mais de uma semana, em 16 de abril, quando uma reunião no quilombo foi invadida por apoiadores da mineradora. Juliana Deprá, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), estava no encontro e foi uma das pessoas ameaçadas.
"Eu fui ameaçada inclusive por uma pessoa que está aqui [na audiência]. Ela disse que ‘queria castrar essa Juliana’ e ‘valeria a pena gastar o meu réu primário com ela’”, desabafou. “A empresa não vai me agredir diretamente. Infelizmente, ela usa as pessoas desavisadas e as inflama, para que cometam crimes. Ameaça é crime”, completou.
Segundo a liderança, o clima de conflito durou aproximadamente 3 horas e começou quando apoiadores da mineradora chegaram em um ônibus fretado, com fazendeiros da região presentes e indícios de pessoas armadas. As ameaças aos moradores do quilombo são constantes, informou Juliana, mas houve uma forte intensificação na última semana.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que presidiu a reunião na ALMG, relatou que o apoio de pequenos, médios e grandes proprietários de terra às mineradoras também vêm acontecendo em outras cidades de Minas, como Brumadinho, Conceição do Mato Dentro e Mariana.
“Quando a mineradora está se instalando na região, há compra e aluguel de terras. Então, você passa a ter uma movimentação de proprietários de terras em torno do que vão lucrar. Hoje, a Vale compra terras em Brumadinho, município que ela assassinou centenas de pessoas. Eu estive recentemente em Conceição do Mato Dentro e a quantidade de placas com ‘propriedade da Anglo’ é absurda. É uma forma de atuar da mineradora”, avalia.
Para Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, professor e advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, está “em formação na região uma organização criminosa muito parecida com a Ku Klux Kan”. Segundo ele, o grupo que apoia a mineradora implanta terror, com ameaças e constrangimentos, além de tentar cooptar integrantes da comunidade com promessas de emprego e prosperidade.
Na contramão dos relatos, a Herculano nega ter enviado representantes à reunião. "A advogada [da empresa] presente no encontro é proprietária de terras na região e, portanto, parte diretamente interessada na discussão. Em nenhum momento houve declarações por parte dela em nome da empresa pelo simples fato de que estava ali participando em defesa dos interesses de sua família", justificou em nota ao Brasil de Fato MG.
Obra pública ou privada?
A Prefeitura do Serro também foi denunciada como facilitadora da Herculano. Teria, ela própria, tomado iniciativas para assegurar a obra de uma estrada que vai atender às atividades de mineração. “Trouxemos aqui para a Comissão de Administração Pública a suspeição sobre a obra, que é em uma via pública, mas está sendo construída pela mineradora Herculano.”
“Esta obra faz parte do licenciamento ambiental do empreendimento, mas a Herculano não tem autorização para minerar no local. Então, quem pediu autorização para supressão da mata para construir a estrada e pagou as taxas? A Prefeitura do Serro”, responde a deputada.
“Já há termos assinados com repasse de R$ 5 milhões para a Prefeitura e mais R$ 35 milhões quando da instalação. Tudo precisa ser investigado”, completou.
A Herculano foi procurada pela reportagem e confirmou que, por meio de termo de compromisso e de cooperação com a prefeitura, está transferindo recursos à mesma. Segundo a empresa, o repasse antecipado é pelo reconhecimento da "necessidade de contribuir voluntariamente com o Poder Público na adoção de medidas de fortalecimento social". A mineradora ainda afirma que "há, sim, previsão de melhorias em estradas vicinais e desembolso financeiro antes, durante e após a fase de instalação do empreendimento".
"Conforme previsto no termo", continua a nota da Herculano, "os recursos têm destinação por meio de implementação e custeio de projetos que compreendam o fortalecimento de políticas públicas, no atendimento das necessidades prioritárias da comunidade, nas áreas da saúde, segurança, educação, assistência social, meio ambiente e proteção ao patrimônio cultural e histórico".
É necessário investigar
A Herculano já conseguiu avançar no licenciamento do Projeto Serro, mas ele se encontra paralisado, depois que a Federação das Comunidades Quilombolas conseguiu na Justiça impedir a realização das audiências públicas. A Federação argumenta que não houve a consulta prévia, livre e informada à comunidade quilombola, alegação que a Justiça entendeu ser motivo suficiente para a suspensão das audiências.
Ao final da audiência, Beatriz Cerqueira reforçou a solicitação ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério Público Federal para apurar os fatos ocorridos em 16 de abril, na reunião na comunidade de Queimadas, invadida por funcionários e apoiadores da mineradora. Também irá encaminhar à Polícia Civil o pedido de investigação dos mesmos fatos, que serão registrados em ocorrências policiais.
O governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, será oficiado com o pedido de suspensão imediata da obra da estrada e, em relação à Prefeitura de Serro, será indagada a origem dos recursos usados para os pagamentos de taxas relativas às licenças e autorizações.
Participaram da audiência representantes do Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais e lideranças comunitárias e quilombolas.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos