“O equipamento público, que antes era voltado prioritariamente ao esporte, ao lazer e ao convívio, passou a ter uma lógica de mercado, na qual o torcedor é visto como cliente”, avalia Éric Rezende, frequentador do Mineirão, em Belo Horizonte, sobre as consequências do processo de privatização do estádio.
Em 2023, a assinatura do contrato, que passou a administração do maior palco de futebol de Minas Gerais, inaugurado em 1965, para o consórcio Minas Arena, completa 13 anos. Antes, a gestão do Mineirão era feita pela Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais (Ademg), do governo estadual, extinta em 2013.
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Elitização
Éric, que é membro da torcida Resistência Azul Popular (RAP), do Cruzeiro Esporte Clube, conta que, de imediato, o primeiro impacto sentido pelos torcedores foi o aumento expressivo no valor dos ingressos para acompanhar as partidas.
“Embora os preços da maioria dos setores sejam definidos pelos clubes, eles são afetados diretamente pelas condições comerciais e custos operacionais definidos pela empresa gestora do estádio”, explica o torcedor.
Ele observa que uma das consequências diretas dos valores cobrados para acessar o estádio foi a mudança do perfil do público, “já que as classes de menor poder aquisitivo tiveram o seu acesso fortemente dificultado”.
Descaracterização da cultura mais custos
Após a assinatura do contrato da parceria público-privada (PPP) que concedeu a gestão do Mineirão ao consórcio Minas Arena, o estádio passou por dois anos de reformas, com a justificativa de que precisava de mudanças estruturais para receber os jogos da Copa do Mundo de 2014.
Com isso, houve mudanças nos setores, prevalência de cadeiras nas arquibancadas, criação de novas regras e restrição da entrada de materiais festivos, o que, na avaliação de Éric, descaracterizou a cultura local e aumentou os custos do estádio.
“Para atender aos caprichos do padrão Fifa, a reforma privilegiou certos luxos desnecessários na utilização corriqueira do equipamento pelos clubes. Com isso, temos um estádio com custos operacionais e de manutenção bastante elevados. Passados mais de dez anos da reinauguração, ainda vemos um estádio com cadeiras em 100% dos lugares, o que contraria a cultura torcedora local e prejudica a festa das torcidas”, comenta.
Deputados querem revisão de contrato
O contrato que, na avaliação de Éric, “é muito favorável à concessionária”, vence apenas em 2037. Porém, tem sido questionado e alvo de pedidos de revisão.
No início de abril, aconteceu uma audiência pública das comissões de Esporte, Lazer e Juventude e de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater sobre o tema.
No encontro, o deputado Professor Cleiton (PV), que requereu a reunião, destacou a necessidade de analisar o contrato e chegou a defender a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na ALMG, proposta endossada pelo deputado Ricardo Campos e pelas deputadas Andréia de Jesus e Beatriz Cerqueira, ambos do Partido dos Trabalhadores.
“É a pior parceria público-privada que se tem notícia na história recente do Brasil. É um contrato extremamente enganoso e lesivo”, avaliou o deputado Professor Cleiton, ao Brasil de Fato MG.
Para ele, o principal motivo para rever o contrato com o Minas Arena são os danos aos cofres públicos.
“O contrato estabelece que, quando a Minas Arena não obtiver lucro, o Estado tem que colocar recursos próprios para que ela chegue a determinado montante. Temos documentos que demonstram que houve desvio, por exemplo, dos recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) para o aporte na Minas Arena”, denunciou o parlamentar.
Desde 2013, o governo já passou mais de R$ 1 bilhão para a empresa.
Durante a audiência, o diretor comercial da Minas Arena Samuel Henrique Cornélio Lloyd afirmou que o modelo de gestão é positivo, uma vez que o Mineirão não depende dos governos para se manter, e citou que a iluminação do estádio acabou de ser trocada.
Clubes insatisfeitos
Outra motivação para a realização da audiência pública foi o impasse entre as direções dos clubes da capital, em especial o Cruzeiro Esporte Clube e o Atlético Mineiro, e a empresa. Os times relatam que as exigências feitas pela administração da Minas Arena dificultam a realização de jogos no estádio.
Até o início de abril, o Mineirão havia recebido apenas quatro jogos oficiais, mesmo o contrato exigindo que sejam realizadas pelo menos 66 partidas no estádio por ano.
A administração do Cruzeiro chegou a assinar um contrato com o América de Minas para a utilização do estádio Independência. Porém, com a mediação do governo de Minas, o clube voltou atrás, assinou contrato comercial com a Minas Arena e retornará aos gramados do Mineirão na quarta-feira (10).
Edição: Larissa Costa