Após recomendação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Lagoão votou, no último dia 11, pela suspensão da licença de pesquisa para exploração mineral concedida à Sigma Lithium. A mineradora pretendia explorar lítio no território de preservação ambiental e hídrica, localizado no município de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha.
Além dos danos ao meio ambiente, a exploração também violava a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a obrigatoriedade de consulta livre, prévia e informada sempre que grandes empreendimentos afetarem territórios de comunidades e povos tradicionais.
No entanto, apesar da vitória em Araçuaí, Aline Ruas, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), afirma que ainda há populações sendo impactadas, já que o empreendimento “Grota do Cirilo” da mineradora se expande para o município vizinho, Itinga.
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“Em Poço Dantas [distrito de Itinga], as máquinas funcionam até à noite, a população não tem sossego, as casas estão rachadas, o povo está doente por causa da poeira", relata. Aline, que é moradora de Araçuaí, afirma também que, além da Sigma, há outras mineradoras realizando estudos exploratórios de lítio no entorno da APA da Chapada do Lagoão.
O Vale é do Jequitinhonha e não do lítio
No começo deste mês, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), foi à Nova Iorque para lançar o “Vale do Lítio” na bolsa de valores Nasdaq. O programa tem sido propagandeado por Zema como a “salvação econômica e social para o Vale do Jequitinhonha”.
Aline Ruas alerta que essa não é a primeira vez que gestores transvestem empreendimentos agressivos aos povos e à natureza como solução econômica para a região. “Zema tira o nome do rio, que para ele não vale nada, e coloca o nome do minério que é a única coisa que importa para ele. Nós somos o Vale do Jequitinhonha. Temos nossa identidade, cultura e modo de vida fundamentados no nosso rio”, critica.
Aline denuncia ainda que não houve qualquer diálogo com a população sobre o projeto. “Estamos vendo políticos e empresários falando o que vai ser melhor para a nossa região, mas ninguém ouviu o povo”, completa.
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Apropriação do Rio Jequitinhonha
O projeto do governo afetará 14 municípios do Jequitinhonha, do Vale do Mucuri, do Norte e do Nordeste de Minas Gerais. São eles: Araçuaí, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem da Lapa, Teófilo Otoni, Turmalina, Rubelita e Salinas. Cidades que, de acordo com o governo, abrigam a maior reserva nacional de lítio.
Tanto o Executivo quanto as mineradoras divulgam que a extração do minério é vista como sustentável, uma vez que não há a construção de barragens de rejeitos. No entanto, o argumento é duramente criticado pela comunidade.
“Até mesmo os estudos de exploração do lítio consomem muita água”, diz Aline. Segundo ela, há relatos que mineradoras que participam da sondagem na região, à procura do lítio, têm abordado os moradores para comprar água dos poços e sistemas de abastecimento familiares para realizarem os estudos.
De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do projeto “Grota do Cirilo”, disponível no site da mineradora Sigma Lithium, o empreendimento tem autorização para retirar 150 metros cúbicos de água por hora do Rio Jequitinhonha, o que equivale a cinco caminhões pipa por hora.
“Como pode ser sustentável, se o povo e o meio ambiente não estão no centro da preocupação? Só é sustentável para os empresários”, questiona Ruas.
Contradição
Apesar de afirmar que pretende investir no setor, encabeçando a pauta da sustentabilidade, em setembro do ano passado, Romeu Zema vendeu todas as ações que o Estado detinha (33%) na Companhia Brasileira de Lítio, que, com a saída do governo, agora é 100% privada.
Ao governo de Minas Gerais, a reportagem solicitou informações se o Executivo pretende construir atividades de consulta às populações que serão atingidas pelo projeto “Vale do Lítio”. O governo também foi questionado se há projeto ou se estão em curso, estudos sobre os impactos ambientais e sociais que novas explorações minerárias podem trazer ao território.
Também foi requisitada uma explicação sobre os ganhos efetivos que o projeto trará ao Estado, uma vez que o governo abriu mão da sua participação na Companhia Brasileira de Lítio. A reportagem também solicitou informações sobre os gastos investidos para a promoção e divulgação do programa em Nova Iorque, além dos valores gastos na viagem do governador.
Assim que as respostas forem enviadas, o texto será atualizado.
Edição: Larissa Costa