A Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab) de Minas Gerais, instituída pela Lei 23.795/2021, assegura que as populações atingidas têm o direito à participação nos planos de prevenção e reparação integral, nos casos de terem sido impactadas por rompimentos ou outros danos causados por barragens. No entanto, a mineradora Vale tem sido constantemente denunciada por não cumprir a lei.
Essa é a denúncia da comunidade de Socorro e de seu entorno, da cidade de Barão de Cocais (MG). No dia 8 de fevereiro de 2019, cerca de 500 moradores foram retirados das suas casas à força, surpreendidos com o risco iminente de rompimento da barragem Sul Superior, da Vale. Hoje, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre governo e empresa está em andamento, mas sem a opinião dos mais prejudicados.
Valores de indenizações e não pagamento delas, compra de remédios com dinheiro do próprio bolso para doenças que adquiriram após o ocorrido, casas que não possuem mais o valor de mercado, são algumas questões a serem reparadas, na visão dos atingidos, mas que não estariam sendo levadas suficientemente em consideração pela mineradora.
Negociação sem os mais interessados
A integrante da coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) Maria Júlia Andrade esteve presente na audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que discutiu o tema, em 16 de maio. “Nós temos um histórico muito ruim de acordos em Minas Gerais, que tiveram a tônica da não participação”, disse.
“Brumadinho, que é tido como um caso de sucesso porque foi um acordo bilionário, não teve consulta efetiva à população. O acordo de Macacos, que acabou de ser celebrado, tem valores muito baixos, em termos de indenização individual, para quatro anos de sofrimento”, analisou.
O acordo entre a comunidade de São Sebastião das Águas Claras, conhecido como Macacos, e a Vale é visto como um exemplo que será seguido no caso de Barão de Cocais, já que se tratam de casos semelhantes. Parte da população de Macacos foi evacuada devido ao risco de rompimento da barragem B3/B4, em 17 de fevereiro de 2019, dias depois do mesmo acontecer em Barão de Cocais.
“Aquilo foi algo sem igual. A gente não tem em Minas Gerais nada parecido com o que foi feito naquela madrugada na comunidade de Socorro e ao redor da comunidade. Mas os atingidos de Barão de Cocais não são só os moradores de Socorro, de Piteiras, de Tabuleiro, o município é todo atingido, e a Vale deveria ser responsabilizada”, destaca.
De acordo com Maria Júlia, os atingidos esperavam outro tratamento por parte também do estado. “A Vale é responsável por não ter cuidado devidamente desse empreendimento, de Gongo Soco. Ela deveria ter fiscalizado melhor as próprias estruturas. E o estado, deve saber agir para cuidar da sua população. E isso não é fazer um acordo que a população não sabe nem o que está sendo negociado”, lamentou.
A prefeitura de Barão de Cocais foi representada por Igor Tavares, que afirmou que o poder municipal também tem dificuldade de acesso à negociação. Nas palavras dele, o aparato que a empresa possui dificulta a obtenção de informações e melhores soluções.
“Não é apresentado diretamente, pela empresa, soluções ao município. O que tem é um plano de compensação, de acordo com os valores que a empresa julgou convenientes. Foram feitos alguns termos, principalmente em relação à saúde e assistência social”, afirmou, sem citar números.
A reportagem questionou tanto o governo de Minas quanto a empresa Vale sobre o motivo da não participação dos atingidos. O espaço segue aberto às respostas.
Terror continuado
As noites sem dormir na comunidade de Socorro e comunidades do entorno têm outro motivo, além da reparação injusta: os moradores que retornaram às suas casas continuam convivendo com a iminência do rompimento da barragem Sul Superior.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a estrutura está em nível de emergência 3, o que significa que o rompimento é inevitável ou já está acontecendo.
Cleonice Martins Gomes, ribeirinha do Rio São João, em Barão de Cocais, mora em uma das áreas que seriam atingidas e relata o que a comunidade tem passado. “Fomos retirados das nossas casas somente com a roupa do corpo e os documentos. Sofremos muito. Depois, voltamos para nossa casa obrigados, retirados à força do hotel, onde uma barragem continua em rompimento nível 3”, indigna-se.
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“Olha o absurdo que fizeram e estão fazendo. A gente vive num local que tem uma barragem que se encontra em rompimento. Não tem como a gente dormir noites tranquilas, estamos com medo todo o tempo. Passa uma ambulância na rua, a gente logo pensa que é a sirene, porque todo mundo está esperando o rompimento da barragem”, completa.
Edição: Larissa Costa