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“Caixa-preta” da renúncia fiscal: super ricos tem ficado mais ricos e pobres mais pobres

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"Alguns setores poderosos, como o agronegócio e a mineração, usam seus lucros polpudos derivados de vantagens comparativas para sugar ainda mais recursos por meio de renúncias fiscais." - Foto: Agência Brasil
Apenas em 2021 Vale S.A. se beneficiou com mais de R$ 20 bilhões

Na década de 1970, o economista Edmar Bacha descreveu o Brasil como a “Belíndia”. As políticas do regime militar estavam criando dois Brasis: o Brasil dos ricos se parecia com a Bélgica, o Brasil dos pobres se parecia com a Índia. Os ricos brasileiros viviam com acesso a bens de luxo importados, empregos estáveis, proteção contra a inflação. Os pobres sofriam arrocho salarial e o aumento de desigualdade causado pelo “milagre econômico”.

Contudo, existe uma dimensão da realidade desses dois Brasis que é o oposto: o Brasil dos ricos paga imposto como se fossem a elite de um país pobre da África subsaariana; já o Brasil dos pobres tem uma carga tributária digna das social-democracias europeias.

Essa realidade fica patente com a primeira leva de dados divulgados pela Receita Federal sobre a “caixa-preta” da renúncia fiscal: em 2021, só a mineradora Vale deixou de pagar R$ 20,3 bilhões em impostos. A Vale é a maior campeã de renúncias fiscais, com dezesseis vezes o valor da segunda colocada, a Eletrobrás.


A mineradora Vale foi a principal beneficiada pela política de renúncia fiscal adotada pelo governo de Jair Bolsonaro, recebendo isenções superiores a R$ 20 bilhões. / Foto: Reprodução/ Vale

Para compararmos, o acordo inteiro de reparação pelo crime de Brumadinho soma R$ 37,7 bilhões. Ou seja, em menos de dois anos, a Vale recebe em benefícios fiscais do governo o equivalente a todo o acordo de reparação de Brumadinho.

Dos R$ 20,3 bilhões de renúncias fiscais da Vale, dezessete bilhões vieram de seus empreendimentos nas regiões da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). A legislação prevê desconto de até 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica para investimento na área das duas superintendências. Mais 30% podem ser descontados se ficarem reservados para reinvestimento.

As renúncias fiscais são instrumentos legítimos de política econômica. Nós, do campo popular, não devemos demonizar o instrumento só porque ele é utilizado para o benefício de grandes corporações como a Vale. No entanto, com um governo popular no poder, cabe repensar os usos desses instrumentos.

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Renúncias fiscais, especialmente aquelas de alto valor individual, devem ser acompanhadas de contrapartidas claras e bem definidas: metas de investimento, geração de empregos de qualidade, realocação de capacidade produtiva.

Sem contrapartidas claras, as renúncias fiscais viram apenas um bônus no lucro da empresa. Em 2021, a Vale lucrou R$ 121,1 bilhões. Será que os R$ 20,3 bilhões em renúncias fiscais são realmente necessários para a Vale manter sua atividade em locais com Carajás, a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo? Ou será que estamos apenas transferindo recursos do contribuinte para uma megacorporação que já possui vantagens comparativas para exercer sua atividade?

Esse, aliás, é um dos principais problemas das renúncias fiscais no Brasil: alguns setores poderosos, como o agronegócio e a mineração, usam seus lucros polpudos derivados de vantagens comparativas para sugar ainda mais recursos por meio de renúncias fiscais. Alegam que suas exportações garantem as reservas internacionais que permitem importarmos produtos sem preocupação, ao contrário de vizinhos como a Argentina.

No entanto, esses setores se beneficiam seja da abundância mineral do Brasil ou, no caso do agronegócio, de décadas de esforço em iniciativas como a Embrapa para garantir a competitividade das exportações. Agora que andam tranquilamente com suas próprias pernas, devem deixar de ter subsídios e, mais, ter parte de seus lucros recolhidos e transferidos para setores que empregam mais pessoas e incorporam mais valor agregado.

Recuperar receita e colocar os ricos para pagar imposto

Nessa área, a pauta do ministro Fernando Haddad aponta para a direção correta. O ministro colocou a recuperação de receitas como principal meta da sua gestão no Ministério da Fazenda. Como já disse em outra coluna, o Novo Arcabouço Fiscal de fato vai depender do sucesso das iniciativas de recuperação de receita. Mas, além do sucesso do arcabouço, essa pauta promete recompor uma injustiça histórica do sistema tributário brasileiro: é um passo na direção de “colocar os ricos no imposto de renda”, como diz o presidente Lula.

Reduzir as renúncias fiscais malfeitas, obtidas à base de lobby no Congresso, combina boa gestão com uma pauta positiva para o governo. Se o foco da recuperação de receitas recair sobre grandes empresas, especialmente empresas envolvidas em crimes como a Vale, pode ser uma pauta popular. Essa pauta deve ser combinada com outras pautas tributárias populares: novas faixas de imposto de renda para os super ricos, fim da isenção de dividendos e outras mudanças também terão apoio popular.

 

 

Pedro Faria é economista, doutor em História e pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Elis Almeida