Pacientes com câncer das regiões do Alto Paranaíba e Noroeste de Minas esperam, há um ano e meio, a construção de uma ala oncológica na Santa Casa de Misericórdia de Patos de Minas. A cidade, de 153 mil habitantes, é referência nesse tipo de atendimento na região.
Enquanto isso, os doentes precisam viajar quase mil quilômetros (ida e volta) para conseguir tratamento pelo SUS. O Hospital São Lucas, que realizava esses atendimentos em parceria com o Centro Oncológico AZ Noroeste, foi interditado pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 1.200, em dezembro de 2021. Um dos motivos para a interdição do hospital foi a falta de alvará sanitário desde 2018.
O Conselho Municipal de Saúde de Patos de Minas e o Conselho de Saúde de Minas Gerais estiveram com representantes do município e do Estado, ainda em março de 2022, na Superintendência Regional de Saúde do Alto Paranaíba, para cobrar agilidade no atendimento desses pacientes.
Segundo nota divulgada pelos conselhos, “os pacientes que estavam em tratamento no Centro Oncológico AZ Noroeste, continuam em tratamento de quimioterapia e de radioterapia. Já os pacientes diagnosticados com câncer estão sendo encaminhados para o Hospital Hélio Angotti, em Uberaba, e hospitais de Belo Horizonte”.
A reportagem do Brasil de Fato esteve na cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, e conversou com vários pacientes. Além do desgaste físico e emocional, eles enfrentam estradas esburacadas e sem acostamentos. As viagens são feitas em micro-ônibus, vans ou carros das secretarias municipais de saúde.
Francisco Ferreira de Oliveira, de 54 anos, por exemplo, mora na cidade de Lagoa Formosa. O município fica a apenas 25 km de Patos de Minas. Diagnosticado com um câncer no estômago, hoje ele precisa viajar 262 km até Uberaba para terminar as 24 sessões de quimioterapia. Oliveira lamenta a falta de atendimento na região. “O tratamento é desgastante e essa viagem é muito cansativa. Além do mais, as estradas estão em péssimo estado de conservação”, afirma ele.
Já a dona Valssi Mendes de Oliveira, de 65 anos, mora na cidade de João Pinheiro, no Noroeste do estado. Ela trata de um câncer de mama há seis meses. Acompanhada pelo marido, Geraldo Oliveira, de 67 anos, ela precisa viajar, uma vez por semana, 420 km até Uberaba para realizar as sessões de quimioterapia. “Numa dessas viagens, o nosso ônibus furou o pneu. A viagem, que era para durar 5h, demorou 6h”, lembra Geraldo Oliveira.
Para muitos pacientes, a viagem começa ainda de madrugada. A aposentada Maria Augusta Ferreira Braga, de 86 anos, sai de Paracatu, cidade a 480 km de Uberaba, no horário de uma hora da manhã. Após 6h30 de viagem, ela e os outros enfermos estão no Hospital Hélio Angotti. Segurando um terço durante toda a viagem e também em frente ao hospital, dona Maria, que trata de um câncer no reto há três anos, conta que ficará na cidade durante uma semana para se submeter ao tratamento de radioterapia.
“Governador do interior”
No dia 24 de maio, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), esteve na cidade de Patos de Minas pelos 131 anos e aproveitou para visitar as obras de construção da ala de oncologia da Santa Casa de Misericórdia. Na ocasião, Zema afirmou ter orgulho de ser um “governador do interior”.
“Sempre tivemos em Minas governadores muito ligados à capital e, posso dizer com orgulho, que sou um governador do interior. Fico muito satisfeito de ver pessoas com sotaques iguais ao meu estarem recebendo tantas coisas boas e um número recorde de obras”, disse Zema.
O Brasil de Fato perguntou à Secretaria de Estado da Saúde (SES) por que o Estado não evitou a falta de assistência na região. Em nota, a SES respondeu apenas que “em nenhum momento os pacientes ficaram sem assistência médica, pois houve o remanejamento temporário das especialidades oncológicas para o município de Uberaba, a partir do mês de janeiro de 2020, visando o atendimento integral com cirurgias oncológicas, quimioterapia, radioterapia e Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutico”.
O Governo de Minas promete inaugurar “em breve” a ala de oncologia do hospital. A última previsão era para o mês de abril. De acordo com o estado, a unidade conta com investimentos de R$ 10,7 milhões. A expectativa, ainda, é que outros R$ 10,8 milhões sejam destinados para a Santa Casa para a compra de equipamentos.
Segundo o governo, a unidade contará com seis ambulatórios, farmácia central, almoxarifado, manutenção, rouparia, copa, ambulatório de quimioterapia, hemodiálise, extensão do Centro de Diagnóstico e Imagem (CDI), contando com ressonância magnética, mamografia, torres de colono, endoscopia e sala de ultrassom.
Zema quer privatizar hospitais
Em 2022, o Governo de Minas suspendeu a publicação do resultado de privatização do Hospital Regional Antônio Dias (HRAD), também em Patos de Minas. O HRAD oferece assistência de média e alta complexidade em traumato-ortopedia, urgências clínicas e pediátricas, queimados, alta complexidade em neurocirurgia, acidente vascular cerebral, gestão de alto risco e atendimento a pessoas em situação de violência sexual.
Na época, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu a anulação do edital de privatização por encontrar “inconsistências, fragilidades e dubiedades no processo seletivo de Organização Social (OS)”.
No texto, os promotores de Justiça Josely Ramos Pontes, de Belo Horizonte, e Rodrigo Domingos Taufick, de Patos de Minas, acrescentaram que o Conselho Estadual de Saúde foi ignorado por Carlos Eduardo Amaral, ex-secretário de Estado da Saúde que estava à frente da Secretaria Estadual de Saúde.
“Não é possível ainda ignorar o fato que o Conselho Estadual da Saúde não aprovou a transferência da gestão do referido hospital para uma Organização Social – OS. E ainda, que o Estado de Minas Gerais, tenta realizar a transferência sem apresentar estudo prévio e avaliação da economicidade, vantajosidade e viabilidade para a transferência”, diz um trecho da ação.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
A diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde), Núbia Roberta Dias, lembra que as chamadas Organizações Sociais (OS) são pouco transparentes na gestão hospitalar e que o SUS “é a única política solidária que atende a todos os brasileiros”.
“Essas chamadas Organizações Sociais (OS) não prestam contas para a sociedade. O SUS é de todos nós e a sua importância ficou ainda mais evidente durante a pandemia de Covid-19. O SUS não pode ficar na mão do setor privado”, ressalta Núbia Dias.
Edição: Elis Almeida