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Republicanismo para quem?

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Zanin foi indicado por Lula para ser ministro do STF - Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4
Elites econômicas brasileiras não disfarçam seu autoritarismo

A indicação de Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula nos processos da Lava-Jato, para a vaga de Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal, trouxe diversas críticas mesmo dentro do campo progressista.

Algumas críticas são muito pertinentes: com a indicação de Zanin, o presidente Lula perde a chance de indicar uma mulher ou pessoa negra, contribuindo para o aumento de diversidade no poder judiciário, que é extremamente elitizado.

A indicação de Zanin também foi criticada pelo fato de o advogado não expressar suas opiniões sobre temas constitucionais em público. Com seu histórico de atuação em casos de direito empresarial e sucessório, pouco se sabe sobre a postura de Zanin em temas como a descriminalização das drogas, aborto ou até mesmo temas relevantes para a separação entre os poderes federais.

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Apesar destas duas críticas muito pertinentes, a terceira crítica não me parece válida, especialmente para quem se coloca no campo progressista: o fato de Zanin ter sido advogado pessoal do presidente Lula. A crítica aponta uma falta de “republicanismo” por parte do presidente, indicando uma pessoa que – espera-se – lhe prestará lealdade pessoal.

Como se faz republicanismo?

O republicanismo ao qual essa crítica recorre é uma longa tradição de pensamento político ocidental. James Harrington, republicano inglês do século XVII e pensador da breve experiência republicana daquele país, condensou a proposta na máxima: “governo de leis, não de homens”. Isto é, um governo republicano é um governo onde as relações pessoais cedem lugar para leis aplicadas universalmente.

Ao contrário do republicanismo de Harrington, as críticas baseadas contra a (suposta) falta de republicanismo por parte da esquerda sofrem de idealismo e voluntarismo.

Harrington argumentava, por exemplo, que a revolução do parlamento inglês contra a monarquia foi baseada em dois séculos de mudança no “balanço de propriedade”: os parlamentares e seus representados (mercadores e a baixa nobreza) ganharam poder econômico e passaram a usá-lo para constranger o rei e a alta nobreza.

Nossos “republicanos” contemporâneos – geralmente progressistas que se compreendem como “centro-esquerda”, mas não têm qualquer vínculo com movimentos organizados – desconhecem tal realismo. Argumentam que a esquerda não pode se rebaixar, adotando as práticas que definiram o bolsonarismo. Não procuram fazer, como fazia o pai do republicanismo moderno, uma análise das condições concretas que permitem a existência de “republicanismo” nas relações políticas.

No mundo concreto, o respeito à aplicação universal das leis é resultado de uma avaliação por parte das facções que participam da disputa política. As diferentes partes entendem que é melhor respeitar-se mutuamente do que descambar para o conflito aberto.

Indo além de Harrington, que viveu antes do amanhecer do capitalismo, o republicanismo em uma sociedade capitalista em geral representa um acordo entre capitalistas e trabalhadores (e seus representantes políticos) para disputar a luta de classes por meio de um conjunto de regras estáveis da institucionalidade política.

Na história das democracias liberais, o fortalecimento dos trabalhadores levou à sua inclusão na esfera política e à manutenção de “governos de leis”. Concessões feitas mediante a ameaça de revolução, que se tornou especialmente perigosa com a ascensão da União Soviética.

Republicanismo na periferia

Como Celso Furtado – que não era marxista – já sabia na década de 1960, na periferia do capitalismo a banda não toca assim. As elites econômicas e seus representantes políticos raramente disfarçam seu desejo por governos arbitrários.

Durante o governo Dilma, a situação de pleno-emprego e a tentativa de colocar a Petrobrás à frente da acumulação de capital no país fizeram nossas elites abandonarem qualquer simulacro de republicanismo que possuíssem. Desde os governos Dilma, capitalistas, seus representantes políticos e aliados no judiciário perderam qualquer pudor republicano, culminando no governo Bolsonaro. Agiram com toda a arbitrariedade possível, sem nenhuma consequência à altura dos malfeitos.

Nessa evolução histórica, a perseguição ao presidente Lula personalizou o arbítrio e autoritarismo das classes dominantes brasileiras. Essa personalização não foi fruto de um “culto à personalidade” por parte da esquerda, mas pela insistência dos veículos de mídia empresarial: foram estes veículos que publicaram capas e mais capas atribuindo todos os males do país a Luiz Inácio. Transformaram males estruturais como a corrupção, causada pelo excesso de poder dos grandes interesses econômicos que se apropriam do Estado, em criação de um único homem e seu partido.

A indicação de Cristiano Zanin

Ninguém no campo popular tem ilusões de que Cristiano Zanin é um grande jurista defensor das causas populares. É apenas um advogado garantista, provavelmente de alguma inclinação social liberal. No entanto, Zanin compreendeu o grande conflito posto na última década brasileira e atuou, contra o conselho de muitos, na defesa da pessoa que se tornou o símbolo da democracia brasileira.

O advogado pessoal do presidente Lula foi, em conjunto com sua esposa e sócia Valeska Martins, um dos grandes pontos de resistência contra o anti-republicanismo da Operação Lava Jato.

Resultados políticos são frutos da correlação de forças

É por isso que a indicação de Zanin é, na verdade, uma briga por uma correlação de forças que favoreça o republicanismo – ou pelo menos assim se espera, pois sabemos como as indicações ao STF não implicam lealdade nem a pessoas nem a causas.

Ao contrário dos críticos que demandam republicanismo a partir de uma postura idealista e voluntarista, o presidente Lula sabe que resultados políticos não são resultados da aplicação de boas ideias pensadas nos Brazil Forum de Harvard e Londres. Resultados políticos são frutos de uma correlação de forças que permita a elaboração e implementação de novas ideias por parte do campo popular.

Portanto, demandas para que Lula se comporte de maneira republicana, feitas em abstrato e sem qualquer vínculo com as organizações do campo popular, são apenas demandas para que o campo popular amarre suas próprias mãos na luta contra uma classe dominante que não tem qualquer pudor de apelar para golpes baixos.

 

 

Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Edição: Elis Almeida