Governo estadual é o principal promotor da devastação da natureza em território mineiro.
O meio ambiente é uma urgência em Minas Gerais. Há quatro anos, vivemos uma situação sem precedente na história administrativa do estado. Invertendo a lógica, o governo de Romeu Zema (Novo) vem corroendo as instituições e as estratégias de proteção e defesa ambiental, tornando-se o principal promotor da devastação da natureza em território mineiro.
Eleita deputada estadual pelo Partido Verde (PV), não como suporte partidário disponível e sim como sigla à qual aderi por convicção, não poderia iniciar meu trabalho na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sem me ocupar dessa situação. Com esse objetivo, eu e minha equipe passamos os primeiros três meses e meio de mandato fazendo uma leitura do quadro que encontramos na área ambiental e das perspectivas de atuarmos politicamente sobre ele.
O que encontramos, ao ler de modo crítico a realidade das políticas ambientais em Minas Gerais, foi um quadro desalentador. Entre outros fatos, há um aumento alarmante dos índices de desmatamento no estado, sobretudo do bioma Mata Atlântica, e um estímulo à mineração a qualquer custo, inclusive quando esse custo é o comprometimento da Serra do Curral e de outras áreas vitais e simbólicas para o povo mineiro.
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Minas Gerais é o estado que mais destrói a Mata Atlântica
Um dado-síntese quanto ao desmonte ambiental em Minas é a constatação, noticiada em 2021 por diversos veículos, de que o desmatamento cresceu 88% no estado, conforme dados do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, do MapBiomas.
Nesse contexto, considerando o ano de 2022, o desmatamento da Mata Atlântica registrou crescimento de 66%, tornando Minas Gerais o estado que mais destruiu áreas desse bioma.
Segundo reportagem publicada em março de 2023 pela Agência Pública, que usou a base de dados do MapBiomas, o estado perdeu 166,7 mil hectares de florestas naturais entre 2019 e 2022, período que corresponde ao primeiro mandato do atual governador. O desmatamento avançou 82,2%, se comparados os dados de 2019 e 2022.
Como isso se tornou possível?
Conectando os fatos e os colocando na perspectiva do governo mineiro, percebemos que o desmonte ambiental está se tornando possível por meio de uma antipolítica que se vale de diversos meios e estratégias, listadas a seguir:
1) O desgaste da estrutura de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), cujo subsecretário para o setor foi trocado por 11 vezes.
2) A militarização da fiscalização ambiental, que passou a seguir uma cartilha bolsonarista de organização.
3) O desmonte sistemático e continuado da legislação de nível estadual.
4) O comprometimento do poder coercitivo do Estado por meio da inércia da Semad, inclusive em casos envolvendo os maiores desmatadores de Minas.
5) O enfraquecimento das ações de comando para o controle de flora e fauna em razão de alterações promovidas na reforma administrativa de Zema.
6) Medidas, como um parecer da Advocacia-Geral do Estado, em processo de licenciamento ambiental, contrárias a disposições protetivas constantes da Lei Federal 11.428/2006 e do Decreto 6.660/2008.
Com Zema, crime ambiental vale a pena
Um exemplo, entre vários outros possíveis, da perversidade do que vem sendo feito em Minas se encontra no sistema de multas aplicadas a infrações ambientais.
Por meio de alterações no Decreto 47.383/2018, que trata, entre outros pontos, de licenciamento ambiental, o governador e sua equipe promoveram uma reclassificação de multas. Assim, infrações antes tidas por graves ou gravíssimas foram reclassificadas como leves, com valores mais baixos a serem pagos pelos infratores.
Além disso, foi ampliada a possibilidade de notificação a ser feita antes da aplicação de multa, passando de uma para diversas vezes. Paralelamente, os agravantes previstos em lei foram limitados a 50% do valor total da multa, além de terem sido criadas aberrações como a “denúncia espontânea”, que na prática facilita danos ao meio ambiente, e “descontos” em infrações para algumas categorias, o que implica dar tratamento diferente à infração, dependendo de qual é o segmento de atividade do infrator.
Assim, no fim das constas, a partir dessas e de outras medidas, o crime ambiental passou a valer a pena em Minas Gerais. De maneira surpreendente, porém, a Semad faz divulgação de que teria aumentado o número de ações de fiscalização, omitindo o fato de que o valor arrecadado é, em geral, menor do que antes das modificações que tiraram poder coercitivo da ação fiscalizadora.
Existe, portanto, uma relação clara entre o que estamos vivendo em Minas Gerais, em termos de comprometimento do meio ambiente, e as escolhas do governo Zema para a estruturação da política ambiental. Nesse sentido, se quisermos mudanças no quadro atual, precisamos agir sobre a política que está em curso ou, mais especificamente, sobre a falta dessa política.
O que fazer diante desse quadro?
No âmbito da Assembleia Legislativa, como sabemos, é pouco favorável a via da apresentação e da aprovação de novas disposições legais protetivas do meio ambiente. Isso ocorre por conta da composição de uma ampla maioria governista, que na atual legislatura tem dado seu rápido e quase sempre incondicional apoio aos projetos enviados à Casa pelo governador.
Foi o que se deu, por exemplo, com a aprovação dos dispositivos da reforma administrativa que, na avaliação de ambientalistas e de técnicos da área, enfraqueceram as atribuições fiscalizadoras de órgãos da Semad.
Notícia ao Ministério Público Federal
Partindo da dificuldade de obter apoio na Assembleia Legislativa, apesar do valoroso esforço dos colegas parlamentares do bloco progressista Democracia e Luta, e considerando o fato de que a luta ambiental precisar juntar esforços institucionais e sociais, decidimos que nosso mandato iria provocar o Ministério Público Federal (MPF) em busca de ajuda.
Nossa intenção é que o MPF, na condição de coautor dos esforços em prol da construção de um Estado de Direito Ambiental, tome providências imediatas em relação ao grave quadro que se verifica em Minas Gerais por falta de políticas públicas efetivas ou por descaminhos da ação governamental. Como sempre ocorre em várias de nossas iniciativas, tivermos a parceria da deputada federal Duda Salabert (PDT), amiga e companheira de várias causas, que assinou conosco a notícia de fato protocolada no MPF, em Belo Horizonte, no 25 de maio.
Nossos pedidos ao MPF incluem apurar os fatos que narramos, considerando as condutas e as omissões verificadas em toda a cadeia hierárquica da Semad, além de reconhecer a ilegalidade, declarar a nulidade de todos os atos praticados com desvio de finalidade pelo governo que tenham resultado em impactos negativos diretos sobre o bioma Mata Atlântica.
Solicitamos também que o MPF determine a suspensão de aplicação, pela Semad e suas entidades vinculadas, do parecer da Advocacia-Geral do Estado contrário à legislação ambiental, em especial a dispositivos da Lei 11.428/2006 e do Decreto 6,660/2008. E por último, pedimos a garantia que sejam responsabilizados todos os envolvidos em atos lesivos à política ambiental e, por conseguinte, ao meio ambiente, nos âmbitos administrativo, cível e criminal.
Luta está apenas no início
A decisão de buscar o apoio do MPF é uma das frentes de luta, à qual se juntam outras. Essas podem incluir, por exemplo, a federalização de algumas questões específicas, de modo a integrar à causa ambiental em Minas o governo do presidente Lula.
Outra frente de atuação, que julgamos indispensável em qualquer estratégia de ação, é o engajamento da sociedade civil, o que inclui organizações, coletivos, instituições e movimentos sociais da área ambiental.
Entendemos que é a participação direta dessas entidades, articulada a partir de suas bases, pode levar a um movimento de opinião pública capaz de se traduzir em resistência popular e cidadã ao desmonte ambiental. A luta, entretanto, está apenas no início. Sigamos.
Lohanna França é deputada estadual pelo PV, vice-líder do bloco Democracia e Luta, vice-líder da bancada feminina e vice-presidenta da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Larissa Costa