Nosso desafio segue sendo derrotar a política de ódio
O mês do orgulho gay marca os 57 anos da Revolta de Stonewall, que aconteceu em Nova York e abalou o mundo na luta pelos direitos das pessoas LGBTI+ e é importante refletir quais as nossas perspectivas na disputa política pelas nossas vidas. Para conquistar direitos, precisamos primeiro provar que existimos e resistimos há muito tempo neste país.
Pouco divulgado, o primeiro registro de morte violenta contra pessoas LGBTI+ no Brasil foi do indígena Tibira, no Maranhão, em 1614. Um assassinato brutal, com um tiro de canhão, por ordem do então governador, com apoio da Igreja. Contar e registrar a essa história é fundamental para referenciar as nossas existências. Não à toa, Erika Hilton e Célia Xakriabá, a primeira travesti e a primeira indígena deputadas federais pelo PSOL, protocolaram um projeto de lei para que Tibira seja incluído no livro oficial de Heróis da Pátria.
Cintura Fina
Em Belo Horizonte contamos a verdadeira história de Cintura Fina, que teve sua memória resgatada pelo mestre especialista em memória LGBTI+ Luiz Morando, com sua biografia "Enverga Mais Não Quebra".
Cintura Fina foi uma travesti nordestina e negra que viveu e fez história em Belo Horizonte, conhecida pelas páginas policiais da imprensa e pelo público brasileiro pela personagem "Hilda Furacão". Sua biografia reconstrói sua trajetória a partir da figura da resistência LGBTI+. Como vereadora nomeamos Cintura Fina como cidadã honorária de Belo Horizonte.
Além das figuras LGBTI+ serem apagadas da história, somos invisibilizadas institucionalmente. O Censo Demográfico, por exemplo, é a maior pesquisa no país, que se propõe a conhecer em detalhe como vive nosso povo, mas que não incluía recorte de gênero e sexualidade nas perguntas. Se não estamos nos dados, não estamos na sociedade e não existimos para as políticas públicas.
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Ocupar os parlamentos com pessoas LGBTI+ nos últimos anos tem ajudado a escancarar, além desses problemas, as violências que sofremos em decorrência histórica de nos criminalizar e invisibilizar.
Assim como toda expressão artística, a produção cultural LGBTI+ é resistência. Em 2010 "Fervo também é luta" foi a resposta do movimento ao terrível ataque homofóbico que ocorreu em São Paulo, na Avenida Paulista, e deu origem ao coletivo Revolta da Lâmpada. Que coloca a perspectiva de uma outra linguagem ativista para demonstrar que nossa existência e nossas formas de expressão também é política. Invisibilizar isso faz parte do projeto que nos marginaliza.
Capital do Vogue
Belo Horizonte é reconhecida como a capital do Vogue, mas pouca gente sabe dessa informação e o que significa a cultura Ballroom, um movimento extremamente importante para a luta pelas nossas vidas. Sua origem vem da periferia de Nova York, onde pessoas LGBTI+, pretas, latinas celebram e expressam sua diversidade longe da realidade de violência e racismo que são submetidas diariamente. Um dos elementos mais conhecidos é o "voguing", a dança de rua criada pela comunidade LGBTI+, mas também há avaliação de performance com diversas outras categorias que acolhem a diversidade de corpos e criatividade.
Para mim, foi o movimento Hip-Hop que fez parte da minha formação. Assim é a cultura ballroom para grande parte das LGBTI+ de Belo Horizonte. Celebrar esse e outros movimentos também deve fazer parte do nosso calendário de lutas e colocar a periferia no centro da política.
Nosso orgulho é luta
Nós somos parte fundamental da vitória de Lula para as eleições presidenciais e é uma conquista retomar a Secretaria Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+, pela primeira vez liderada pela travesti e ativista Symmy Larrat, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O partido do bolsonarismo tentou derrubar essa articulação no Congresso, mas foram derrotados.
Nosso desafio segue sendo derrotar a política de ódio e a lógica do "pânico moral", que nos coloca como inimigos da "família" e dos valores sociais. É por isso que seguiremos firmes e mobilizadas para seguir ocupando a política, afirmando que nossas vidas não são negociáveis.
Este ano tenho a honra de fazer parte da representação brasileira no VI Encontro de Lideranças LGBTI das Américas e do Caribe, que ocorre no México no mês de julho, um espaço de diálogo sobre o papel das pessoas LGBTI+ na participação democrática para a construção de uma sociedade mais inclusiva. Não haverá democracia sem nossas vozes.
Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL
Leia outros artigos de Iza Lourença em sua coluna no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida