Valor de mercado da Copasa é de R$ 7,7 bilhões
Na contramão da nossa história, a atual administração do governador Romeu Zema propõe a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Em meio a uma série de controvérsias e questionamentos, é preciso analisar a lógica por trás da proposta.
É preciso questionar o modelo de privatização proposto por Zema, que segue o mesmo padrão que falhou, adotado na privatização da Eletrobras, que além de ser questionado pela AGU no STF, se mostrou danoso também ao mercado. A Eletrobras apresentou um prejuízo líquido de R$ 479 milhões no último trimestre de 2022. As ações da Eletrobras acumulam queda de 19,7% em 2023. Os fundos da Eletrobras acumulam queda de 6,63% em 2023. Um ano após a privatização, investidores que usaram FGTS na Eletrobras veem tombo de 8,5% nas ações.
Há questionamento, dos próprios funcionários da Eletrobras, que contestam a nova gestão, a realocação de empregados, extinção de cargos importantes, a tentativa de excluir o cargo de conselheiro eleito pelos próprios empregados, além do controle da soberania energética e claro, de questões ambientais envolvendo termelétricas. Deu certo? Não, e os números gritam isso.
Um dos argumentos utilizados para justificar a privatização da Copasa é a situação financeira do Estado de Minas Gerais. No entanto, o valor de mercado da Copasa atinge impressionantes R$ 7,76 bilhões, mas o Estado reteve 50% desse valor sem investir nada em saneamento básico. Dando clara prioridade ao lucro em detrimento das necessidades da população.
Zema é imune a aprendizagem
Em outros estados saneamento retrocedeu com privatização
A privatização da Copasa não garante a universalização do saneamento, ao contrário. A população teve sérios problemas com a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) no Rio de Janeiro, também em Manaus e Alagoas.
Na CEDAE, a privatização ocorreu em 2021, e desde então a população carioca tem enfrentado uma série de problemas, inclusive o percentual de tratamento de esgoto no Rio de Janeiro caiu de 38% em 2020 para 31% em 2021, após a privatização da CEDAE. Além disso, a empresa privada responsável pela prestação dos serviços já recebeu mais de 21 mil reclamações de falta d'água em apenas três meses após a privatização. Esses números demonstram que a privatização não gerou melhorias significativas para a população e, pelo contrário, agravou os problemas existentes.
No caso da CORSAN, do Rio Grande do Sul, privatizada em 2020, os indicadores também revelam um cenário preocupante. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), a taxa de cobertura de água coberta no Rio Grande do Sul era de 96,8% em 2019, antes da privatização. No entanto, em 2020, após a privatização, houve uma queda para 95,9%. Isso indica que a privatização não contribuiu para a expansão dos serviços de água tratada no estado, contrariando as promessas iniciais.
Já no caso da CAGECE, do Ceará, privatizada em 2017, também podemos observar consequências negativas, em 2020, o Ceará ocupava a 17ª posição no ranking nacional de atendimento de água tratada, com uma taxa de 82,1% da população atendida. Além disso, a falta de transparência na gestão da empresa privada tem gerado insatisfação e questionamentos por parte da população.
Esses exemplos concretos nos mostram que a privatização não é a solução para os problemas do saneamento básico.
Localiza
Além disso, é contraditório o argumento de Zema de que a venda da COPASA se deve a questões financeiras do estado, quando ao mesmo tempo ele concede isenções milionárias e planeja conceder benefícios bilionários à empresa Localiza, cujos sócios foram responsáveis por bancar 28% dos gastos eleitorais de Zema em Minas Gerais.
Essa situação levanta questionamentos sobre os reais interesses por trás dessa privatização. Ela buscaria o favorecimento de grupos específicos em detrimento do interesse público? Afinal, vender Copasa, Cemig ou Codemig para “sanear o Estado”, não se sustenta.
Ao conceder benefícios fiscais que beneficiam mais uma empresa específica, cria-se uma distorção no mercado, privilegiando determinados atores em detrimento de outros, o que pode afetar a concorrência e prejudicar a eficiência econômica, contrariando inclusive o argumento liberal de Zema sobre “concorrência e mercado”.
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Na perspectiva política, tais incentivos fiscais podem ser interpretados como uma forma de clientelismo político, em que os favores e benefícios são concedidos a determinados grupos em troca de apoio político ou financiamento de campanhas eleitorais. Inclusive com relação estreita com um grupo econômico que financiou quase um terço de sua campanha. Essa prática compromete os princípios democráticos e a igualdade de oportunidades.
É importante ressaltar que a concessão de incentivos fiscais deve ser conduzida criteriosamente. Diversos estudos e pesquisas acadêmicas apontam que a eficácia dessas medidas em estimular o crescimento econômico e a geração de empregos é questionável, enquanto os riscos de corrupção e má administração são amplificados.
A novela ruim do Regime de Recuperação Fiscal
Outro aspecto preocupante é o Regime de Recuperação Fiscal, que também pode resultar na venda das estatais.
Ao contrário do que Zema diz, o RRF, longe de ser uma solução inovadora, é um modelo atrasado e ultrapassado. Especialistas argumentam que esse regime reproduz os mesmos vícios e erros das políticas de ajuste fiscal do passado, que se se mostraram ineficazes e prejudiciais para a população. Em vez de estimular o crescimento econômico e a superação das dificuldades financeiras, o RRF impõe medidas de austeridade que apenas agravam a recessão e ampliam as desigualdades sociais.
Outro aspecto, é a falta de transparência e participação democrática no processo de implementação do RRF. O economista Renato Fragelli afirmou em entrevista que o regime "é uma verdadeira caixa-preta, onde poucos têm acesso às informações e às decisões tomadas em nome dos estados em crise". Essa falta de prestação de contas e de debate público compromete a legitimidade e a eficácia do regime, além de abrir espaço para práticas questionáveis e para a perpetuação de interesses particulares.
Zema é imune a aprendizagem, principalmente com o fracasso da experiência do Rio de Janeiro com o RRF. O Regime de Recuperação Fiscal revela-se como uma falácia disfarçada de solução.
É fundamental que a sociedade mineira esteja atenta e questione os reais motivos por trás dessas iniciativas de privatização da Copasa, Cemig e Codemig.
Lucas Tonaco é acadêmico na área de antropologia social e ciências humanas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), secretário de comunicação da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), diretor de comunicação do Sindágua-MG e membro fundador da Frente de Comunicação Urbanitária.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
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Edição: Elis Almeida