Minas Gerais

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Cristãos lutam contra a ignorância, fanatismos e moralismos. Constroem pontes, não muros

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Foto interna de uma igreja - Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
A utopia de Deus é reunir e estabelecer na comunhão o universo inteiro

A “Carta aos Efésios” foi escolhida para ser assunto de reflexão nas Comunidades Cristãs no mês da Bíblia de 2023. Organizado em seis capítulos, inserido no Novo Testamento Bíblico entre duas Cartas Paulinas – Gálatas e Filipenses – o inspirado texto bíblico é endereçada, provavelmente, a uma Rede de Comunidades Cristãs fora da Palestina/Israel, entre as quais por extensão, também endereçada às comunidades cristãs atuais.

O texto não foi escrito pelo apóstolo Paulo, mas sim por um discípulo de Paulo, provavelmente na última década do século primeiro da Era Cristã. Portanto, precisamos evitar a leitura da “Carta aos Efésios” ao pé da letra, de forma literal e fundamentalista. Aliás, uma leitura superficial, pinçando versículos da “Carta” pode induzir-nos a compreensões antagônicas com a finalidade da mesma, tais como justificar o machismo, o patriarcado e a relação social escravocrata. Compreendidos, porém no contexto, tais versículos não abonam tais injustiças.

Precisamos evidenciar e considerar o contexto político, social, econômico, cultural e religioso que está como pano de fundo deste texto bíblico. A Carta aponta Jesus Cristo como “pedra fundamental” (Ef 2,20), pois testemunha e ensina um jeito de ser, de viver e conviver. E mais: de lutar e ser instrumento na construção de uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, plural e respeitosa culturalmente, com uma ética libertadora, que seja expressão do reino de Deus querido por Jesus e pelo Deus da vida.

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A “Carta aos Efésios” se destina, primordialmente, a comunidades cristãs mistas de pessoas oriundas do mundo cultural judaico e uma maioria de pessoas oriundas do mundo cultural gentílico, conforme nos informa Ef 2,11: “Lembrem-se de que vocês, pagãos de nascimento, eram chamados incircuncisos por aqueles que se dizem circuncidados, devido à circuncisão que se faz na carne com mão humana”. Portanto, a “Carta” é prioritariamente dedicada, em um primeiro momento, a gente considerada de origem impura e estrangeira.

É para “os de fora”, os que estão aderindo ao Evangelho de Jesus Cristo que o autor da “Carta” faz a exortação a serem exemplos de fraternidade em uma sociedade com relações sociais escravocratas do Império Romano. A “Carta” se destina também a libertar pessoas cristãs das amarras do legalismo e do ritualismo, o que estava gerando divisões e separações na convivência com “os de fora”. Muros, não; pontes, sim, devemos ser.

Nosso Deus age de forma libertadora. Logo após a saudação e o endereçamento, a “Carta aos Efésios” apresenta um magnífico hino de louvor, no qual o autor, entre tantas belezas espirituais, revela a ética de Deus, mistério de infinito amor.

Deus “nos abençoou com toda bênção espiritual, em Cristo” (Ef 1,3), “nos escolheu, em Cristo” (Ef 1,4), derramou abundantemente graça sobre nós” (Ef 1,6.8), “libertou-nos pelo sangue de Cristo e nos perdoou” (Ef 1,7), “nos fez conhecer o mistério da sua vontade” (Ef 1,9), “reuniu o universo inteiro para o levar à plenitude” (Ef 1,10), “em Cristo, segundo o projeto de Deus que tudo conduz” (Ef 1,11); “Deus nos conquistou (adquiriu) para o louvor da sua glória” (Ef 1,14). Destacamos os verbos de ação para enfatizarmos que o Deus da “Carta aos Efésios” é um Deus ético, que age para o bem de toda a humanidade, “Deus que age em favor de nós” (Ef 1,19) e de todos os seres vivos.

Por isso, Deus abençoa-nos, escolhe-nos, derrama sobre nós sua graça, liberta-nos, perdoa-nos, faz-nos conhecer seu projeto, “conhecer Deus profundamente” (Ef 1,17), ou seja, liberta-nos da ignorância, do fanatismo, de fundamentalismos, de moralismos.

A utopia de Deus é reunir e estabelecer na comunhão o universo inteiro levando tudo à plenitude. Enfim, pelo agir ético de Deus somos conquistados, cativados por amor, para amar sem limites. Esta ética de Deus, que é puro amor, pode nos inspirar para sermos éticos como Deus é ético, ou seja, que nosso agir seja parecido com o agir divino, invocado sob tantos nomes.

 

 

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; professor de teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica).

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida