Empresas que descumpram critérios mínimos de qualidade serão penalizadas
No dia 23 de junho, a atual novela do aumento da passagem chegou a seus últimos capítulos (ou pelo menos na última temporada). O projeto de lei nº 538/2023, que prevê o subsídio tarifário para as empresas de ônibus foi votado e aprovado em 2º turno e agora segue para elaboração final e sanção do prefeito Fuad Noman.
Não está no texto da lei, mas faz parte do acordo público ao qual o prefeito se comprometeu, que o absurdo aumento de tarifa de R$4,50 para R$6,00 seja finalmente revogado e a passagem volte ao valor de antes de 23 de abril.
A tramitação da proposta de subsídio foi bastante tumultuada, pouco transparente, cheia de idas e vindas. A lei aprovada agora traz algumas concessões, mas também alguns avanços. Vamos tentar dar um panorama geral.
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Antes de mais nada, é preciso compreender que a proposta de subsídio é necessária e complementar à lei 11.458/2023 que mudou a forma com que o sistema de ônibus é remunerado. Antes, praticamente toda a receita do sistema vinha pela tarifa paga pelo passageiro, e isso gerava um incentivo estrutural para que as empresas de ônibus superlotassem os veículos nos horários de pico e cortassem viagens em horários noturnos, finais de semana e madrugadas.
Depois da lei 11.458/2023, a remuneração é realizada por quilômetro rodado, isto é, as empresas recebem pela distância percorrida com seus veículos, independentemente se os ônibus têm muitos ou poucos passageiros. Assim, não há – pelo menos em teoria – um incentivo à superlotação: o km vale o mesmo no horário de pico e no busão das 3 da manhã, na linha movimentada do centro ou na linha da periferia.
Essa mudança é um passo para a retomada do controle público sobre o sistema. Nessa lógica, a receita tarifária é só uma parte do bolo necessário de recursos para o custeio da operação, o restante viria do orçamento público – dinheiro que provém de toda a população belorizontina, quem pega ônibus, quem só anda de carro, quem não sai de casa e quem faz muitos deslocamentos. Todos contribuem.
Para que o montante aportado pela prefeitura seja estabelecido, foi necessário calcular quanto o sistema como um todo custa. E foi aí que os problemas começaram de verdade. A primeira estimativa de custo girava em torno de R$ 1,3 bilhão. Quando o subsídio não tramitou na velocidade que os empresários queriam, houve pressão para um aumento tarifário, que veio em 23 de abril: 33% de reajuste, R$1,50 a mais por passagem, no lombo da população.
Não só isso, os empresários aproveitaram o tempo que tiveram e a influência, inclusive familiar, que têm sobre o prefeito, para forçar o aumento do custo estimado em R$ 200 milhões. Agora, estima-se um custo de R$ 1,5 bilhão para o sistema. O subsídio, que estava proposto em R$ 476 milhões, aumentou para R$ 512 milhões. Os outros R$ 164 milhões no bolso dos empresários vieram justamente dessa tarifa a R$ 6 há mais de dois meses.
O que muda
Bom, mas nem tudo foi concessão para empresários trambiqueiros, sonegadores de impostos e vacinas. Houve também avanços concretos. Um dos artigos da lei prevê que empresas que descumpram os critérios mínimos de qualidade (lotação, horário, limpeza, ar-condicionado) não tenham a viagem computada para fins de recebimento do subsídio. Cabe ao prefeito e à Superintendência de Mobilidade (SUMOB) criar uma estrutura de acompanhamento e controle que dê conta de fiscalizar e realizar essas sanções, essa é a parte difícil: depender da boa vontade do primo do Rubens Lessa, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros de Minas Gerais (Fetram).
Outros avanços foram melhorias concretas para os permissionários do transporte suplementar. O transporte suplementar são aqueles micro-ônibus laranjinhas que começam com “S” (S80, S92, S50, etc). São herdeiros dos antigos perueiros e não são as empresas de ônibus que conhecemos. Cada um é dono de apenas um veículo e pode contratar apenas um motorista para auxiliar na operação.
Os permissionários sempre sofreram pressão dos grandes empresários de ônibus: não podem operar dentro da Avenida do Contorno, são obrigados a pagar taxas de aluguel de bilhetagem para as empresas, entre outros abusos que sempre contaram com a conivência da Prefeitura. O PL reconhece um mínimo de 10% do subsídio para a categoria, entre outras melhorias.
Por fim, avanços foram feitos no campo das gratuidades, da tarifa zero. A lei prevê gratuidade para:
i. linhas de vilas e favelas
ii. estudantes que recebem meio-passe
iii. pessoas se deslocando para atendimento no SUS
iv. famílias em situação de extrema vulnerabilidade social
v. pessoas em deslocamento para o uso da Rede de Serviços de Atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar
e, finalmente:
vi. Tarifa zero aos domingos e feriados
A emenda de ônibus de graça nos domingos e feriados estava em uma parte destacada do projeto, junto com as melhorias para os permissionários do transporte suplementar, que a prefeitura não queria aprovar e orientou a base governista a votar contra. Mas a votação teve presença massiva e pressão dos permissionários, e os vereadores foram convencidos a votar a favor deles e contra o governo. Vitória da mobilização popular!
Falta sanção do prefeito
Agora, o texto segue para sanção do prefeito que, como temos visto, tem a capacidade de articulação política e de negociação mais ou menos equivalente à de um caramujo sonolento buscando fugir das ondas do mar. Há a possibilidade de que a parte não-acordada pela prefeitura seja vetada. Se assim o for, caberá à Câmara derrubar o veto.
Mas para quê mais desgaste, nobre prefeito Fuad? Sancione logo a lei integralmente! Possibilite à população de Belo Horizonte uma experiência semanal de busão de graça e veja como floresce o acesso e o direito à cidade! A tarifa zero muda tudo, em um dia de lazer e descanso pode propiciar mais movimento, mais comércio, famílias vivendo e descobrindo que são parte da vida da capital mineira e não apenas “força de trabalho”.
Vamos descobrir como a tarifa zero é libertadora e dar um passo na direção de uma vida sem catracas.
André Veloso é economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH.
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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida