Minas Gerais

ENTREVISTA

Com Lula, economia mineira tem melhora, mas dependência internacional dificulta prognóstico

Economista Rafael Ribeiro, da UFMG, analisa política adotada por Romeu Zema em seu segundo mandato

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
"Economia mineira é muito dependente do cenário internacional" - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Finalizamos o primeiro semestre da nova gestão do governo federal, com Lula presidente, e do segundo mandato de Romeu Zema (Novo) à frente de Minas Gerais. Em ambas as esferas, a projeção é de melhora econômica após um período grave de recessão. Mas há relação entre os resultados positivos de ambas as esferas? Quais impactos a divergência política e ideológica de Zema e Lula trará para a economia mineira?

Para analisar este cenário, possíveis relações e impactos, o Brasil de Fato MG entrevistou o economista Rafael Ribeiro, professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Confira.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Brasil de Fato MG - A nível nacional, a economia em 2023 tem dado sinais positivos, com a projeção de crescimento em 2,14% do Produto Interno Bruto. Como este dado reflete na economia estadual?

Rafael Ribeiro - A projeção de crescimento do país é um bom sinal, mas tem que ser vista numa perspectiva um pouco mais ampla. É preciso ressaltar que ela ainda está um pouco abaixo da média mundial prevista para 2023 e 2024. O dado nacional também está influenciado pela perspectiva de crescimento da China e da Índia. Podemos dizer que o crescimento do país está um pouco acima do crescimento dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A gente vem de um período de forte recessão provocada pela pandemia e uma recuperação ainda muito lenta, comparada com o cenário internacional. A despeito disso, essa perspectiva é positiva para a economia mineira. O aquecimento do mercado de trabalho e da produção como um todo tendem a puxar a atividade econômica do país e a arrecadação, o que abre um caminho mais fácil para o crescimento da economia de Minas.

Por outro lado, a economia mineira é dependente da dinâmica do mercado externo, pela nossa forte atividade agropecuária e extração mineral. Tivemos uma pequena melhora na perspectiva de crescimento no começo deste ano, mas ainda há muita incerteza. Tanto em relação à inflação nos país do Norte, quanto aos movimentos da guerra da Ucrânia e da Rússia. Esse cenário impede que façamos prognósticos mais assertivos.

Neste primeiro trimestre a economia mineira, após dois trimestres de recessão consecutivos em 2022, apresentou um aumento no Produto Interno Bruto em 0,9%. A estabilidade política e econômica do país pode ter interferido para estes resultados?

Esses fatores tiveram sim um efeito na economia mineira, apesar dela ser hoje mais dependente do cenário internacional.

Precisamos recuperar um pouco do histórico da economia mineira nos últimos anos, quando a gente teve a reversão do ciclo. A partir de meados de 2014, com a crise econômica que se instalou no país, a economia mineira teve uma queda drástica. No estado, o setor industrial caiu muito mais, proporcionalmente, que os setores agropecuário e de serviços.

Há, assim, uma mudança estrutural na composição da produção mineira, com peso menor das indústrias.

O setor agropecuário e o extrativo mineral estão muito mais voltados para o mercado externo. Já o industrial exporta, mas tem uma parcela muito maior de produção para dentro, em comparação aos outros setores. Isso significa que a economia mineira ficou mais suscetível à volatilidade e incerteza do mercado internacional do que antes. Os setores da agricultura e mineral crescem puxados e determinados pelos preços de commodities internacionais. Mas eles tendem a puxar pouco a produção e o emprego do nosso estado.

A melhora no cenário institucional do país e a redução da incerteza sobre a condução política do Brasil, se reflete principalmente numa redução da taxa de câmbio, do preço do dólar, o que reduz o custo dos bens importados tendendo a controlar a inflação. Outro fator que também contribuiu para esse controle foi a queda no preço dos combustíveis. E com isso você tem um aumento do poder de compra das famílias, do consumidor de modo geral, o que estimula a atividade econômica.

Outro efeito que exige um pouco mais de tempo para ser observado é a melhoria na expectativa dos empresários, o que pode engatilhar investimentos privados.

A política ultraliberal de estado mínimo de Romeu Zema, que tem rifado todos os patrimônios estaduais, esvaziado o estado, desvalorizando os servidores, pode atravancar os impactos positivos advindos da economia nacional?

O primeiro governo do Romeu Zema foi de antipolítica, não houve de fato propostas de plano de governo para resolver os gargalos socioeconômicos e produtivos do nosso estado. Teve um discurso de redução da participação do Estado na economia, sem ter de fato medidas muito concretas adotadas. Agora, Zema parece ter mudado a estratégia em função da sua intenção, ao que tudo indica, de concorrer à presidência no próximo pleito. Agora ele vai ter que governar e imprimir uma cara do Partido Novo.

Nesse segundo mandato, temos um discurso forte a favor do Regime de Recuperação Fiscal, que já era uma pauta no primeiro mandato, mas Zema não conseguiu aprovar no legislativo. E é uma pauta defasada, aos moldes do que foi feito no governo federal, que inclusive já caiu, porque não é sustentável no âmbito federal e dificilmente será no âmbito estadual.

Empresas alvo de possíveis privatizações têm dado lucros significativos

E, ainda, Zema vem com medidas que preveem a privatização das estatais do estado. Vale lembrar que praticamente todas as empresas que têm sido alvo de possíveis privatizações, têm dado lucros significativos para o estado, não são empresas que dão prejuízo e isso precisa ficar claro.

Recentemente o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou um robusto recurso (R$ 9 bi) que deverá vir para o estado em decorrência da construção e manutenção de 6.184 quilômetros de linhas de transmissão e 400 megavolt pelo país, ligando os estados de MG, SP, ES, RJ, BA e SE. Quais são os impactos de medidas como esta para a economia em Minas? E de outros projetos a nível nacional, que também impactam na geração de renda, como a retomada do Minha Casa Minha Vida?

Investimentos públicos em infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento econômico, mas o governo federal ainda não sinalizou de forma muito clara qual seria o plano para área de estrutura no país. Certamente o investimento nas linhas de transmissão de energia é muito bem-vindo, porque o setor de energia é essencial para o desenvolvimento econômico.

Além disso, outros programas do governo federal que podem ajudar a estimular a atividade econômica, como o “Minha Casa Minha Vida” e o “Desenrola”, que vai aliviar o grau de endividamento das famílias de mais baixa renda.

Temos que ver para onde vai a reforma tributária e as demais medidas adotadas pelo governo federal. Elas podem ajudar a economia mineira no estímulo à produção, aos negócios e no poder de compra das famílias, e isso aquece também o mercado de trabalho.

Ambientalistas criticam a decisão política e econômica de Romeu Zema de flexibilização da legislação ambiental para favorecer o setor da mineração. Qual sua opinião sobre isso?

Uma estratégia de desenvolvimento focada nesse setor certamente deve ser questionada.

Falta plano econômico que retire o estado da dependência da mineração

O estado de Minas Gerais tem uma vantagem na atividade de extração mineral em função da abundância de recursos. Contudo, todo o estímulo que foi feito nesse setor, inclusive uma grande isenção fiscal com a justificativa de atrair investimentos, deve ser questionado em função do baixo poder de encadeamento que a mineração tem e pelo alto custo socioambiental que gera.

Uma empresa como a Vale, por exemplo, que tem uma forte produção de extrativismo no estado, tem deslocado sua produção para o Pará, isso é um problema. Dependendo da decisão estratégica da empresa, o estado pode acabar ficando sem essa atividade a despeito de todos os benefícios econômicos e fiscais que foram dados.

E não há nenhum planejamento de substituição dessa atividade econômica ou de diversificação do setor produtivo do estado. Certamente essa questão deveria estar na ordem do dia e na agenda do governo atual, mas infelizmente ela não ganha a proeminência que merece.

Edição: Rafaella Dotta e Elis Almeida