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Saneamento em risco: Zema ignora crises do saneamento no mundo

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Em vários lugares do mundo o saneamento básico foi re-estatizado - Foto: Divulgação / Feam
Governador mineiro não estuda o resultado da privatização de serviços públicos

O mês de julho deve se mostrar um mês de derrota para o avanço do saneamento básico no Brasil. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) deve colocar em votação o projeto de decreto legislativo (PDL 98/2023) que derruba as alterações no marco do saneamento feitas por decreto do presidente Lula. A expectativa é que o decreto legislativo seja aprovado.

O PDL já foi aprovado na Câmara, sob a batuta de Arthur Lira (PP-AL), no contexto das derrotas impostas ao governo nos meses de maio e junho. Enquanto a corda apertava em seu pescoço devido a evidências de recebimento de propina, Arthur Lira mobilizou o Congresso mais uma vez em nome de lobbies setoriais.

O marco do saneamento, aprovado em 2020, abriu o setor para empresas privadas, principalmente ao impedir os “contratos-programa”, que facilitavam acordos entre municípios e empresas públicas de saneamento, em geral estaduais. Agora, as estatais deverão participar de licitações, concorrendo com outras empresas.

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O decreto do governo Lula, que deve ser derrubado no Congresso, foi uma tentativa de manter algumas prerrogativas para estatais no fornecimento dos serviços.

Zema quer atropelar o povo mineiro e entregar a Copasa

O retorno ao marco do saneamento amplia a pressão em Minas para a privatização da Copasa. Segundo informações de bastidores, obtidas pela Itatiaia, o projeto para privatização da Copasa já está finalizado e pronto para ser enviado para a Assembleia Legislativa.


copasa - caixa dagua / Créditos da foto: Reprodução

No entanto, Zema ainda tem que resolver a questão da consulta popular: a Constituição do estado prevê, a partir de mudança proposta pelo governador Itamar Franco em 2000, que a população mineira seja consultada sobre a privatização de estatais. Zema diz que o povo mineiro não entende de privatizações e, por isso, não deveria ter o direito de opinar.

O governador mineiro, no entanto, não gosta de estudar o resultado da privatização de serviços públicos tanto quanto gosta de estudar a vida do fascista Mussolini. Enquanto o Brasil insiste em privatizar os serviços públicos, mesmo sabendo que os resultados são péssimos para a população, o Reino Unido lida com as consequências da privatização do saneamento básico e do fornecimento de água.

Thames Water: um clássico do capitalismo neoliberal

O noticiário britânico recente tem dado destaque para a crise da Thames Water, concessionária privada responsável pela coleta de esgoto de 15 milhões de pessoas e pelo fornecimento de água para 10 milhões de pessoas na região metropolitana de Londres e na região central do país, por onde passa o rio Tâmisa. A empresa foi privatizada em 1989 por Margaret Tatcher, líder global do neoliberalismo. Hoje está afundando sob o peso de 14 bilhões de libras (aproximadamente R$ 85 bilhões) em dívidas, além de suspeitas de fraudes.

O colapso da Thames Water é um clássico do neoliberalismo, previsível para qualquer estudante do primeiro período do curso de economia: quando se privatiza um monopólio natural, a empresa privada se dedicará a explorar sua capacidade de monopólio para extrair lucros excepcionais. Mesmo em uma perspectiva liberal, esses serviços devem ser prestados pelo Estado.

A ideia de que o Estado será capaz de regular esses monopólios não passa de uma falácia: as empresas monopolistas têm os cidadãos como reféns e sabe que seu serviço ruim respinga na popularidade do governante. Ao invés de usar seus lucros excepcionais para investir, os empregará no pagamento de lobistas, campanhas eleitorais e congressos e eventos para funcionários de agências reguladoras.

No caso da Thames Water, ao longo dos seus mais de 30 anos privatizada, a empresa se tornou uma generosa pagadora de dividendos: segundo Caroline Lucas, líder do Partido Verde no parlamento britânico, enquanto assumia dívidas impagáveis, a empresa distribuiu 72 bilhões de libras (aproximadamente R$ 440 bilhões) em dividendos.

Empresas privatizadas são ambientalmente falidas

Pior, o caso da Thames Water não é apenas um exemplo de provável gestão fraudulenta. É a regra do setor.

Segundo cálculos de Richard Murphy, professor de contabilidade da Universidade de Sheffield, as sete grandes empresas privadas de água e saneamento do Reino Unido estão “ambientalmente falidas”. Agregando os dados do setor, Murphy conclui que o setor investe apenas a partir da receita operacional e de empréstimos, isto é, sem investimentos por parte dos capitalistas. Estes apenas absorvem os dividendos.

Por si só, a falta de investimentos dos acionistas não torna as empresas financeiramente falidas – ainda que as torne péssimas fornecedoras de um serviço caro.

No entanto, as estimativas do próprio governo apontam para uma necessidade de investir 260 bilhões de libras nos próximos 10 anos para que o sistema do país seja recomposto e adaptado para a realidade da crise climática e para os casos de poluição nas praias desapareçam. No entanto, os representantes do setor só ofereceram 10 bilhões de libras. Ou seja, estão esperando que o governo assuma as consequências dos seus péssimos serviços e décadas de baixos investimentos.

O Brasil deveria aprender com a falência do neoliberalismo

Cenários como a Thames Water têm se tornado cada vez mais comuns: serviços públicos nos países centrais do capitalismo, privatizados na onda neoliberal dos anos 1980 e 1990, estão sendo re-estatizados. Está ficando claro que monopólios naturais privatizados são incapazes de responder adequadamente à situação de “crises múltiplas” – climática, econômica, geopolítica – do capitalismo contemporâneo.

As empresas monopolistas só se preocupam em encher os bolsos dos acionistas. Não há regulação que as contenha, pois o primeiro movimento das empresas privatizadas é colocar governantes e reguladores no bolso. Os investimentos necessários não aparecem, especialmente nas áreas que não são lucrativas e dependem de “subsídio cruzado” vindo de áreas lucrativas.

Veremos quais deputados estaduais não honrarão a memória de Itamar
 

Por isso, temos que defender as empresas públicas. Essa defesa não deve ser restrita a socialistas. Itamar Franco, presidente do Brasil e governador de Minas Gerais, não era nenhum socialista, mas peitou o governo FHC e colocou até a polícia para defender a Cemig como patrimônio do povo mineiro.

Veremos quais os deputados estaduais que não honrarão a memória de Itamar, tirando o povo do caminho para favorecer Zema e os grandes empresários.

 

Pedro Faria é economista e doutor em história. É pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, ao Instituto Economias e Planejamento e militante do Movimento Brasil Popular.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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Edição: Elis Almeida