Minas Gerais

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Projeto que retira pertences de pessoas em situação de rua esconde ódio aos pobres

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Foi aprovado um projeto de lei que autoriza a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a recolher pertences de pessoas em situação de rua - Foto: Adão de Souza/ PBH
Devemos ir na raiz da desigualdade, com políticas públicas que transformem a vida dessas pessoas

As baixas temperaturas no inverno, em especial nos meses de junho e julho, tornam a vida das pessoas em situação de rua muito mais sofrida. As barracas improvisadas com papelões impedem que essas pessoas morram de hipotermia.

Nesses meses, costumam ser realizadas campanhas de doação de agasalhos e cobertores, quando voluntários levam alimentos e um pouco de alento para quem não tem um teto. Também não podemos deixar de pontuar que parte dessa população em situação de rua é negra, que está ali empurrada pelo racismo, pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho e pelo preconceito cotidiano que enfrentam.

No entanto, para nosso espanto, os vereadores Braulio Lara (Novo), Wesley Moreira (PP), Henrique Braga (PSDB), Gilson Guimarães (Rede) e o ex-vereador Rogerio Alkimim apresentaram uma proposta em direção contrária, um completo desatino e desrespeito à dignidade humana. 

Eles conseguiram aprovar, na Câmara Municipal em primeiro turno, um projeto de lei que autoriza a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a recolher pertences de pessoas em situação de rua. Como se não bastasse o recolhimento de camas, sofás e barracas, o projeto ainda legisla sobre os corpos dessas pessoas, autorizando o Executivo a apresentar políticas públicas de controle da natalidade.

A proposta é de um nível que constrange pela maldade. Mesmo assim, recebeu a anuência de 23 vereadores do Legislativo da capital. Por trás dessa iniciativa está um sentimento inconfessável publicamente: aporofobia. Ações higienistas, como essa proposta, costumam se vestir de argumentos defensáveis, como a retirada dos objetos para a livre circulação das pessoas, o que esconde sua perversidade.

A proposta tem por trás a aversão ao pobre e o racismo

São ações que querem “limpar” as cidades, como se as pessoas que estão ali não fossem nossos irmãos. Na mesma semana de aprovação do projeto de lei na Câmara, foi divulgado pela imprensa um levantamento baseado no Censo de 2022, que indicou que o número de imóveis vazios na capital é 20 vezes maior do que a quantidade de pessoas nas ruas: são 108 mil domicílios permanentemente não ocupados e cerca de 5,3 mil pessoas vivendo nas ruas.

O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, chamou a atenção nacionalmente para a palavra aporofobia para denunciar ações que visam expulsar e até criminalizar as pessoas pobres. Outra expressão da aporofobia é a arquitetura hostil, que orienta o urbanismo de nossas cidades. Há pouco tempo, em 2019, levantaram indignação as pedras instaladas nos baixios dos viadutos para impedir que pessoas em situação de rua dormissem no local.

As pessoas em situação de rua merecem ser tratadas com dignidade e respeito

Não serão políticas para expulsá-las de forma violenta que resolverão o problema. É preciso pensar em políticas públicas de curto, médio e longo prazo. Não devemos apoiar projetos que tem como concepção a aversão às pessoas em situação de rua. E é preciso entender que, se muitas pessoas chegaram a essa situação extrema, isso se deve às desigualdades sociais.

A médio e longo prazo, é necessário desenvolver programas de moradia, como a proposta de aluguéis sociais ou outros programas habitacionais. A curto prazo, podemos criar ações como o espaço Canto da Rua Emergencial, realizado pela Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, criado na Serraria Souza Pinto, onde as pessoas puderam tomar banho, trocar de roupa e se alimentar. Outro exemplo que leva cidadania a essas pessoas é o Restaurante Popular, idealizado e implementado no governo de Patrus Ananias, que serve refeições de qualidade a preços baixos.

Essas pessoas em situação de vulnerabilidade não deveriam ser alvo de mais ódio. Ao contrário, deveriam receber nossa empatia. Sabemos que temos que adotar medidas emergenciais, como a doação de alimentos, agasalhos e cobertores, mas não podemos parar por aí. Devemos buscar resolver a raiz da desigualdade, com políticas públicas que transformem e melhorem a vida dessas pessoas.

 

Macaé Evaristo é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa