São as mulheres que participam das reuniões, que questionam e denunciam os problemas
Durante a tarde do último sábado (15), pessoas atingidas pelo crime da Vale/Samarco/BHP se reuniram na Câmara Municipal de Barra Longa com representantes do governo federal. A atividade faz parte do processo de escuta para participação no processo de repactuação.
Ao olhar o rosto de cada pessoa que saiu de sua casa, em um sábado à tarde, fiquei me perguntando quantas vezes as pessoas já contaram suas histórias. Quantas vezes falaram de sua vida privada e de seus familiares nesses sete anos? De quantas reuniões já participaram? Quantas vezes pessoas estranhas entraram em suas casas?
A vida do povo de Barra Longa tem sido muito sofrida. Em 2015, a lama entrou na cidade e ficou. Depois da lama, vieram os caminhões. A falta de respeito e a de planejamento das mineradoras destruíram as casas que a lama não havia destruído. É de Barra Longa a absurda situação em que a Samarco condicionou a reposição de uma máquina de lavar para uma senhora, depois que a lama havia levado a sua, à comprovação de que ela não conseguiria torcer a roupa com as mãos.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
Barra Longa era uma cidade que o povo escolhia para viver, com quintais e qualidade de vida. Hoje, está adoecida e pede socorro.
O sofrimento começa pelo direito à casa, que tem sido negado. O pouco que a Renova reconstruiu ou reformou não tem dignidade para moradia: esgoto volta para dentro das casas, reformas entregues com cômodos menores, sem luz, sem tanque para lavar roupa. Casas com trincas não foram reformadas, acordos foram firmados sem participação das pessoas. Tudo virou um grande negócio que usa as pessoas e as deixa sem direitos.
O sofrimento continua na saúde
O adoecimento é sistêmico. Relatos de aumento de câncer, alergias, antes inexistentes na cidade, automutilação de crianças e adolescentes, depressão. De uma comunidade que sempre se encontrava, hoje vive a tristeza trancada em casas que não reconhecem mais como suas. Nas palavras da Dona Geralda, “as pessoas estão morrendo”. Outra moradora desabafou: “não quero morar numa cidade contaminada”. A Simone, liderança da luta por direitos na cidade, sintetizou: “só não é atingido em Barra Longa quem não respira”.
A reunião contou com uma maioria de mulheres, muitas idosas que cuidam de todo o seu núcleo familiar e, mesmo adoecidas, continuam uma luta contra as gigantes Vale/Samarco/BHP/Renova. São elas que participam das reuniões, que questionam e denunciam os problemas, que identificam os aumentos de problemas de saúde na cidade e que cuidam da comunidade.
Por mais doloroso que seja o dia a dia de quem vive o crime por tanto tempo e ficou tão desamparado, o pacto entre as mulheres foi de não desistir. A desistência é a vitória das criminosas. Não deixaremos.
Beatriz Cerqueira é professora e deputada estadual (PT-MG).
--
Leia outros artigos de Beatriz Cerqueira em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG
--
Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa