Sigamos na construção de uma Igreja viva, em saída, sinodal, a partir dos pobres e injustiçados
Ainda em “estado de graça”, por ter participado do 15º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em Rondonópolis, no Mato Grosso, de 18 a 22 de julho de 2023, e convicto de que devemos partilhar e socializar as experiências que humanizam, mesmo ciente de que é muito difícil, se não impossível, partilhar o esplendor da espiritualidade ética e profética que vivenciamos no encontro nacional de representantes de CEBs do Brasil. Vamos lá.
Participaram cerca de 1.500 lideranças de CEBs de todo o Brasil, entre as quais 60 bispos, uns 130 padres, umas 130 freiras, alguns membros de outras igrejas cristãs, dezenas de indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, observadores internacionais etc. Nove grandes equipes de trabalho garantiram, em um estupendo mutirão, a infraestrutura, alimentação e tudo o que precisava para o encontro se desenrolar bem.
Os participantes foram acolhidos e hospedados em casas de centenas de famílias, que graciosamente abriram o coração e hospedaram com alegria todos nós. Enfim, milhares de pessoas contribuíram e participaram de um grande mutirão que construiu e realizou o 15º Intereclesial das CEBs.
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O tema abarcou o que o Papa Francisco vem nos pedindo desde o início do seu pontificado: “CEBs: Igreja em saída na busca da vida plena para todos e todas”. O lema escolhido foi “Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra”. Qual Igreja? A que se faz povo de Deus com opção pelos pobres e opção de classe trabalhadora. “Em saída” para onde? Para as periferias geográficas e sociais, na busca e construção de condições objetivas e materiais que garantam a vida plena para os humanos e para toda a biodiversidade. “Saída” que exige trabalho de base e formação bíblica, teológica, política, ecológica etc.
Sobre a metodologia e os debates
No primeiro dia, para ver a realidade, todos os participantes foram distribuídos em plenárias com os nomes de biomas: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia, Pampas. No segundo dia, na plenária-mãe, chamada de “Casa Comum”, foi socializada a reflexão feita em mutirão no dia anterior, discutindo como enfrentar as injustiças que ofuscam o reino de Deus no nosso meio.
Foram criticadas com veemência as relações sociais que geram o clericalismo, o patriarcado, o machismo, o racismo, a homofobia, a devastação ambiental e outras violências que aviltam a dignidade humana e reduzem a mercadorias a terra, as águas e toda a biodiversidade.
A caminhada das CEBs persiste e resiste, apesar de todas as dificuldades, mas deve se enraizar também fora da estrutura das paróquias. As ocupações de luta pela terra e por moradia são na prática CEBs, mas na maioria das vezes, sem rótulo e no geral sem ou com pouco acompanhamento das paróquias onde se encontram. Sugerimos a continuidade das CEBs, mas com caráter mais autônomo em relação às paróquias e mesmo às dioceses.
Enfatizamos que cultivar a vida comunitária é um sagrado antídoto ao espírito capitalista que solapa as relações comunitárias e injeta o vírus do individualismo e do egocentrismo. Foi alertado que fazer missão não pode ser reduzido a tentar envolver de forma proselitista “os de fora” na “minha igreja”, mas testemunhar o que Jesus Cristo e os profetas e profetisas ensinaram e testemunharam, revelando o que constrói o reino de Deus no nosso meio.
Não podemos nos calar! Crucial continua sendo sermos profetas e profetisas, não adivinhadores do futuro, mas quem nas entranhas da trama histórica lê os sinais dos tempos e dos lugares e no meio do povo aponta os caminhos a serem seguidos para superação do capitalismo. Em crise aguda, o capitalismo segue superexplorando, não só a classe trabalhadora, mas também sacrificando no altar do mercado idolatrado os bens naturais – terra, águas, minerais e tudo o que pode ser transformado em mercadoria nos biomas e ecossistemas.
Nossas lutas
Três clamores foram destacados: os clamores dos povos negros, diante das relações sociais escravocratas que reproduzem cotidianamente o racismo estrutural; os clamores dos povos indígenas, vítimas de genocídios, de invasão de seus territórios e da ameaça da brutal tese do Marco Temporal, já aprovado na Câmara Federal. Houve um fortíssimo grito para que o inconstitucional e esdrúxulo Marco Temporal não seja aprovado no Senado Federal; e, por fim, os clamores das juventudes, também vítimas de genocídio e da amputação de oportunidades.
O 15º Intereclesial foi ato público de resistência, em que militantes e pessoas da caminhada libertadora expressaram de cabeça erguida que as CEBs estão vivas e seus membros mantêm viva e forte a profecia da espiritualidade libertadora ecumênica e inter-religiosa. Vivenciamos dias de verdadeira manifestação do amor de Deus na força e luz da Divina Ruah, fecundando as CEBs!
Dom Guilherme Antônio Werlang, bispo da Diocese de Lages, em Santa Catarina, foi aplaudido por todos de pé ao bradar: “quem se deixa levar pela correnteza das maiorias, é como um corpo morto ou um tronco já derrubado e sem vida, e que é incapaz de reagir e lutar pela vida sua e dos outros. Nadar contra a correnteza nunca foi fácil, mas essa deve ser a atitude de quem deseja ser cristão ou cristã”.
A caminhada continua e o trem das CEBs segue agora para seu berço, o estado do Espírito Santo, que acolherá e sediará o 16º Intereclesial das CEBs em 2027. Que a Divina Ruah e a Trindade Santa continuem nos guiando com muito amor no coração na utopia do reino de Deus, com olhar e pés no chão das periferias, ao lado dos periferizados, lutando pelos seus direitos e também pelos direitos da natureza.
Que participantes sejam multiplicadores, que o encontro ressoe nas paróquias e comunidades... no meio do povo! Apesar de tantas forças contrárias na sociedade e na própria Igreja, sigamos na construção de uma Igreja viva, em saída, sinodal, a partir dos pobres e injustiçados.
Em tempo: Registramos em vídeo cerca de 13 horas nos cinco dias do 15º Intereclesial e estamos aos poucos disponibilizando no youtube no canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. Assista se quiser e sinta-se à vontade para baixar e republicar em outros canais.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em filosofia pela UFPR; bacharel em teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CebiI e das ocupações urbanas; professor de teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica).
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa