Mais uma vez, o governador de Minas Gerais ameaça acabar com um dos instrumentos considerados mais democráticos no país. Na última semana, Romeu Zema (Novo) voltou a dizer que pretende apresentar aos deputados estaduais um projeto de lei para retirar da Constituição mineira a obrigatoriedade da realização de um referendo para vender as empresas estatais.
Na última declaração, ele argumentou à imprensa que a consulta seria operacionalmente inviável. Porém, em outras ocasiões, o governador chegou a afirmar que a população não seria especialista o suficiente para opinar sobre a privatização das estatais mineiras, que são parte do patrimônio do Estado.
Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT Minas) Jairo Nogueira, na realidade, a postura de Romeu Zema é apenas reflexo de duas características de seu governo: o autoritarismo e a falta de democracia.
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“Com as urnas eletrônicas, a realização do referendo não é um processo complicado. Na verdade, é muito simples, as pessoas votam sim, se aprovam a venda, ou não, se forem contrárias. Mas, a gestão de Zema é de pouquíssimo diálogo, chega a ser quase ditatorial. Ele não dialoga nem com os deputados. Ele tem ojeriza de um processo democrático como esse, no qual a população pode decidir”, avalia o sindicalista.
De volta aos anos 1990
Jairo relembra que a regra, que consta nos parágrafos 15, 16 e 17 do capítulo 14 da Constituição de Minas Gerais, foi criada justamente para evitar posturas como a do atual governador, que tem nas vendas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig) uma de suas principais prioridades.
“Tudo começou com a tentativa de privatização da Cemig, durante o governo de Eduardo Azeredo. Em 1997, ele vendeu 30% das ações da empresa para um grupo dos Estados Unidos, que passou a mandar na empresa. Com a eleição de Itamar Franco, no início dos anos 2000, nós cobramos do governo e conseguimos que fosse colocado na Constituição algo que protegesse as empresas mineiras do ataque de qualquer governo, uma vez que são empresas do Estado e não das gestões”, conta o presidente da CUT Minas.
Dessa forma, desde 2001, para desestatizar ou vender ações das empresas públicas, o governo precisa primeiramente apresentar um projeto de lei específico, ter a aprovação de três quintos dos parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e, se conseguir a maioria dos votos dos deputados, é necessária a realização de um referendo, que determinará se a lei entrará ou não em vigor.
Interesses divergentes
Ao mesmo tempo em que Romeu Zema busca entregar as empresas para a iniciativa privada, as últimas pesquisas de opinião realizadas no estado demonstram que a maior parte da população mineira é contrária à privatização.
Em agosto de 2022, um levantamento realizado pelo Datatempo indicou que 65,3%, 59,6% e 53,9% são contra a venda da Cemig, Copasa e Gasmig, respectivamente.
Jefferson Leandro, da direção do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), acredita que esse é um dos motivos que fazem o governador querer mudar a Constituição de Minas Gerais.
“Ele não tem a opinião pública a favor da privatização. A maioria da população mineira é contrária. Desde o primeiro mandato, ele anuncia a retirada do referendo popular da Constituição. Ele tenta descredenciar o povo mineiro da sua condição legítima de votação. É um governo que não respeita o ambiente democrático. E é autoritário, o que conseguimos perceber pela forma como ele trata os trabalhadores das estatais”, avalia.
Ataque à soberania
Para a economista Isabella Mendes, a situação é contraditória. Além de não ver motivos para vender empresas que geram lucro, ela destaca que a garantia do referendo é o que assegura a existência da soberania popular.
“A exigência de referendo para a privatização das estatais é um instrumento que assegura algum nível de soberania popular nas decisões relativas a uma estrutura que foi construída com recursos públicos, ou seja, que saíram do bolso do povo mineiro”, destaca Isabella, que também é militante do Movimento Brasil Popular.
Ela ainda enfatiza que é justamente a população, em especial a mais pobre, que depende da qualidade dos serviços prestados pelas empresas que Romeu Zema quer vender. Dessa forma, para a economista, nada mais justo do que essa mesma população seja consultada.
“Parte importante dos ativos que Zema está ansioso para vender são responsáveis pela provisão de serviços essenciais à população. Hoje, se esses serviços não funcionam bem, a população pode cobrar os seus governantes eleitos pela qualidade do serviço. Caso sejam entregues à iniciativa privada, os seus proprietários serão anônimos e sem a obrigação de prestar contas à população”, explica.
Estado mínimo para os pobres e máximo para os ricos
Para Lucas Tonaco, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG), Romeu Zema lida com o Estado como um gerente de uma empresa e não como um governador.
Além disso, o sindicalista acredita que Zema opera uma política de mão dupla, na qual, ao mesmo tempo em que busca reduzir o papel do Estado na vida da população, aumenta os privilégios concedidos aos grandes grupos empresariais e às elites.
“É muito contraditório, porque, no fim das contas, o Estado mínimo que Zema defende é, na verdade, um Estado máximo para as elites deles, como foi por exemplo, com as locadoras de automóveis, de quem ele isentou impostos”, avalia.
Na contramão do país
Lucas Tonaco ainda avalia que a postura do governador está na contramão da política adotada pela gestão de Lula (PT). Enquanto Romeu Zema busca vender a Copasa, ele relata que o governo federal tem promovido reuniões com representantes de entidades sindicais e populares sobre a questão do saneamento básico.
“O governo federal, do qual Zema é crítico, nos chama para discutir. Há duas semanas, eu estava em Brasília, discutindo. O governo ouviu a gente, acatou vários pontos e, a partir disso, possibilitou a participação. Muito diferente do governo estadual, o federal entende que o saneamento é um direito social”, compara.
Outro lado
O governo estadual foi procurado para comentar o caso, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.
Edição: Larissa Costa