Cadê o Estado mínimo para um aumento de salário de 300%?
O tema do Estado e sua atuação na sociedade é fundamental para a compreensão das dinâmicas políticas e sociais. Mesmo a população ouvindo, assistindo e lendo sobre o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ao certo, é necessário acender um alerta sobre o que essa medida significa e o impacto que ela pode gerar.
O conceito de Estado mínimo, que não sai da boca de Romeu Zema há muito tempo, é frequentemente utilizado como justificativa para reduzir a participação governamental na economia. No entanto, sua aplicação prática costuma revelar um Estado máximo a serviço de uma elite privilegiada.
Nesse contexto, questionar a capacidade de governantes com origens abastadas, como é o caso de Romeu Zema, de representar os interesses do povo pobre, é fundamental. Com toda sinceridade, como um milionário pode saber a importância de uma consulta em um “postinho de saúde” ou mesmo de contas baratas e acessíveis de energia ou água?
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Sobre Estado mínimo e o favorecimento de uma elite econômica, vejamos por exemplo as isenções apoiadas pela base parlamentar de Zema para a Localiza, propriedade de um outro milionário: Salim Mattar. Por trás da Localiza, está também a uberização, outro fenômeno revelador de nossa sociedade. Com os números de desemprego gritantes, acirrados no Brasil de Temer e de Bolsonaro, alugar carros para trabalhadores de aplicativos, é também explorar o fenômeno da “uberização”.
Estado mínimo para os pobres
Esse brevíssimo exemplo mostra que, na verdade, a realidade desmistifica a noção de Estado mínimo, revelando um Estado máximo para atender às demandas e privilégios das elites, perpetuando desigualdades sociais.
A ascensão de governantes abastados, como é o caso de Romeu Zema, coloca em pauta a representação adequada das camadas mais pobres da sociedade. É inegável que indivíduos com origens milionárias possuem uma desconexão com as realidades vivenciadas pela maioria da população, o que pode dificultar a formulação de políticas públicas que efetivamente atendam às necessidades dos mais vulneráveis.
O interesse em manter políticas de “menos gastos” e redução de gastos (austeridade) agrava as desigualdades e a exclusão social, colocando em cheque a função da política de transformar a vida das pessoas, e a do Estado, de cuidar das pessoas. O que Zema está fazendo? Se o discurso de “bom gestor” ou “redutor de gastos” é válido, o contrário é demonstrado no estudo realizado pela economista Maria Eulália Alvarenga e pelos auditores fiscais Marco Túlio da Silva e Lucas Rodrigues Espeschit.
A pesquisa revela que, em 2022, Minas já acumulava R$ 148,47 bilhões em dívidas com a União. O próprio ministro Barroso, na decisão sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7145, proposta pelo governador, expõe a situação fiscal calamitosa de Minas Gerais. Na decisão, Barroso afirma que “a administração local tem praticado ações que vão de encontro ao compromisso com a sustentabilidade de sua dívida, como concessão de aumentos a servidores públicos, ao próprio governador e secretários, além de redução de tributos e anistias a empresas”.
Ou seja, o ministro argumentou que medidas recentes do governo Zema não seriam compatíveis com os esforços para conter gastos públicos. E ele vai além e critica a contradição da própria concessão de aumento de 300% no salário do governador.
Cadê o Estado mínimo para um aumento de salário de 300%? Cadê o Estado mínimo para as isenções da Localiza?
RRF é uma falácia
O Regime de Recuperação Fiscal é apresentado como uma medida necessária para lidar com crises econômicas e financeiras, mas diversos críticos apontam que, muitas vezes, essa política é utilizada como uma desculpa para promover medidas de arrocho e austeridade, prejudicando especialmente os segmentos mais vulneráveis da sociedade.
Os negros, pobres e mulheres, que dependem em maior medida dos serviços públicos, sofrem de forma mais intensa com os cortes orçamentários em áreas cruciais, como saúde, educação e assistência social, aprofundando as desigualdades já existentes. O debate em torno do papel do Estado na sociedade é complexo e carregado de implicações políticas e sociais.
É fundamental que os debates e políticas públicas sejam pautados pela busca de uma sociedade mais justa e inclusiva, reconhecendo as desigualdades existentes e promovendo ações que garantam igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Somente assim será possível construir um Estado verdadeiramente democrático e comprometido com o bem-estar coletivo.
Lucas Tonaco é acadêmico na área de antropologia social e ciências humanas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), secretário de comunicação da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), diretor de comunicação do Sindágua-MG e membro fundador da Frente de Comunicação Urbanitária.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Larissa Costa