Minas Gerais

Coluna

A culpa nunca é da vítima

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Estima-se que no Brasil existam 822 mil casos de estupro por ano - Tomaz Silva/Agência Brasil.
Por causa da “cultura do estupro”, a sociedade silencia ou relativiza a violência sexual

Uma jovem desacordada é deixada por um motorista de aplicativo na rua em frente à sua casa, de madrugada. Outro homem passa, a coloca nas costas e caminha por três quilômetros até um local ermo, onde a estupra e a abandona inconsciente. O caso ganhou repercussão nacional e as imagens chocaram a sociedade, mas não a ponto de livrar uma mulher de 22 anos de ser culpabilizada pela sequência de violências que sofreu.

Basta alguns minutos lendo os comentários na internet para vermos como a indignação disputa lugar com falas do tipo “não devia ter bebido” ou “cadê a mãe, que não sabia dela”. De um jeito ou de outro, a sociedade responsabiliza a vítima pelo crime cometido contra ela.

Isso é o que chamamos de “cultura do estupro”, um termo usado para designar as diversas formas como a nossa sociedade silencia ou relativiza a violência sexual. Mesmo que a jovem tenha sido negligenciada por tantos homens, inclusive seus amigos, e violentada sexualmente por outro, a indignação causada não é total porque é atravessada por um sistema de poder que trata as mulheres como objetos.

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O patriarcado, esse sistema de poder que estrutura e orienta nossa sociedade, é o responsável por controlar o corpo e a vida das mulheres nos mais diversos níveis. Desde a prescrição sobre o seu lugar social (de mãe e esposa amorosa, cuidadora), sobre seu corpo (magra, sempre jovem e modificada por procedimentos estéticos variados) e sobre seu comportamento (recatada, contida, sempre educada e polida).

Realidade cruel

Estima-se que no Brasil existam 822 mil casos de estupro por ano. Desses, apenas 8,5% registrados pela polícia e 4,2% pelos serviços de saúde, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Esses números, junto a tantos outros sobre as diversas formas de violências, são extremamente alarmantes, mas parecem não ser suficientes para termos políticas efetivas que façam do Brasil um lugar seguro para as mulheres.

Acabar com a cultura do estupro demanda de nós, em primeiro lugar, uma revolta absoluta com o estado de medo em que meninas e mulheres vivem na rua ou mesmo dentro de suas próprias casas. É preciso também buscar formas concretas de romper com o modelo de sociedade que banaliza a violência contra as mulheres e culpabiliza as vítimas. Falamos de políticas de saúde pública, de educação sexual, políticas econômicas e sociais que atinjam pedagogicamente a sociedade como um todo.

Não queremos mais lidar com o absurdo dizendo o óbvio: mulheres deveriam ser tratadas como gente, com direito a uma vida digna e sem violência.

Edição: Larissa Costa