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Maria Papuda: primeira família despejada da capital mineira

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Ocupação Maria do Arraial, em prédio do Centro de BH, abriga dezenas de famílias - Foto: Instagram/ MLB
Dentro da contorno existem 80 prédios abandonados

Lutar pelo resgate da história profunda das cidades é imprescindível. Na madrugada do dia 28 de julho, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), com cerca de 250 famílias, ocupou um prédio de dez andares abandonado há muitos anos, na rua da Bahia, 1065, no hipercentro da capital mineira. A Ocupação foi batizada de Maria do Arraial.

O nome resgata a história real e profunda da capital mineira. Dona Maria do Arraial foi mulher negra escravizada, conhecida como “Maria Papuda”. Ela teve seu rancho demolido e sua família expulsa para se construir na localidade o suntuoso Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais, e o conjunto de prédios públicos e palacetes que compõem a Praça da Liberdade e arredores.

Foi uma grave violência que marca o plano inicial de instalação da cidade Belo Horizonte e infelizmente reverbera até os dias de hoje de várias maneiras na cidade.

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Belo Horizonte surgiu onde se assentava o antigo Curral Del Rey, destruindo os seus antigos casarios, arruamentos, largos e benfeitorias, incluindo os territórios ocupados por quilombolas, camponeses, ciganos e carroceiros.

O antigo Largo do Rosário, composto por antiga igreja, cemitérios e casarios, que existia em um sítio onde hoje se situa o cruzamento das ruas Bahia com Timbiras, teve o seu território invadido e demolido no final do século XIX, e a Irmandade do Rosário e o povo negro que ali viviam foram expulsos do seu território sagrado e ancestral.

Os denominados “Quilombos Urbanos” de Belo Horizonte – Mangueiras, Luízes, Manzo Ngunzo Kaiango e Souza e outros em processo de autorreconhecimento – eram na verdade quilombos camponeses ou rurais. Com o crescimento de Belo Horizonte e a especulação imobiliária, foram invadidos, sendo os quilombolas expropriados de seus territórios e expulsos para as vilas e favelas na periferia.

Despejos e exclusões de ontem e de hoje

Os carroceiros, agora perseguidos e criminalizados, têm sido imprescindíveis desde o início da capital mineira para carregar mercadorias e pessoas nas carroças, a partir da Estação do Trem, para transportar pedras para calçar ruas, limpeza urbana etc. Entretanto, uma lei racista, higienista e desumana foi aprovada e sancionada em Belo Horizonte, em 2021, proibindo o trabalho de quase dez mil carroceiros na capital mineira.

Dona Vilma, mulher negra que nasceu no bairro Santo Antônio, enfrentou durante muitos anos processo de reintegração de posse movido pela prefeitura de Belo Horizonte, porque o casebre dela ficou ilhado por prédios de todos os lados. Foi preciso muita luta popular para convencer a Prefeitura de Belo Horizonte e o Poder Judiciário a compreenderem e reconhecerem que o marido da dona Vilma tinha sido um dos construtores de várias ruas de Belo Horizonte.

A escritora Conceição Evaristo nasceu e cresceu em uma favela no alto da Avenida Afonso Pena, onde hoje é o bairro Anchieta. Enfim, Belo Horizonte foi construída com trabalho e suor do povo negro e tradicional, severamente perseguidos e discriminalizados.

Atualmente, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, no centro da cidade, dentro do perímetro da Avenida do Contorno, existem cerca de 80 prédios abandonados. Por outro lado, segundo a Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte há um déficit habitacional que ultrapassa 100 mil moradias. Só em BH são mais de 10 mil irmãos e irmãs nossos em situação de rua.

Portanto, está de parabéns o MLB por ter ocupado dois prédios ociosos e abandonados há muitos anos e por estar resgatando a história real e profunda da capital mineira. Vivam as Ocupações Carolina Maria de Jesus e Maria do Arraial! Resgatar a história real e profunda de todas as cidades é imprescindível para construirmos cidades realmente sustentáveis e democráticas. E

Escassez hídrica

Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas, surgem inundações.

Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para favorecer os automóveis: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se valorizará mais os automóveis que a dignidade humana?

Segundo estudos da Comissão que planejava a nova instalação da capital de Minas Gerais, após Ouro Preto, havia mananciais na região do Curral Del Rey capaz de abastecer uma cidade de até 3.000.000 de pessoas. Belo Horizonte tem hoje cerca de 2,4 milhões de habitantes. Com as 34 cidades que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a população chega a 5,9 milhões de habitantes.

Muitos mananciais que abasteceram Belo Horizonte e outras cidades da RMBH já foram dizimados, tais como os mananciais da Pampulha, de Águas Claras e o rio Paraopeba, que era responsável por 50% da água que abastecia Belo Horizonte e foi sacrificado pela mineradora Vale, com o crime ocorrido em Brumadinho.

Plano Diretor da RMBH

Em tempo: Iniciou-se dia 31 de julho, uma série de 17 Audiências Públicas para se fazer atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI da RMBH). Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do PDDI deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos.

A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH. O que implica em colocar fim a proposta do famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte e Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

 

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em filosofia pela UFPR; bacharel em teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CebiI e das ocupações urbanas; professor de teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica).

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida