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O Coral Monlevade e a politização por meio da arte: uma experiência para os dias atuais

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Foto do Coral de Molevade - Foto: Prefeitura de João Molevade
Discussão política chegava a toda categoria via o Coral

Uma das experiências mais ricas de politização por meio da arte que tive o prazer de vivenciar quando criança e que depois, na Universidade, transformei-a em tema de estudo de meu trabalho de conclusão de curso, foi a experiência do Coral Monlevade nos anos de 1970.

João Monlevade situa-se a 100 quilômetros ao leste da capital, no chamado Vale do Aço, sendo uma cidade que fora projetada para receber os operários da antiga Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, atual ArcelorMittal. O projeto vitorioso reproduziu na cidade a mesma estratificação social interna à Usina, cargos, níveis hierárquicos, funções e mesmo a proximidade do posto de trabalho foram critérios utilizados nas distribuições das casas e do acesso aos clubes recreativos

O Coral Monlevade, foi fundado em 1963 por iniciativa autônoma dos operários da Usina, a eles se juntaram faxineiras, donas de casa, cabeleireiras, balconistas, professores da cidade. Ao fim das décadas de setenta e oitenta o Coral chegou à um excelente nível técnico, reconhecido em festivais nacionais do gênero. Seu repertório era variado, cantando música erudita, sacra, folclore nacional e internacional e adaptando a música popular ao estilo coral.

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Ao final dos anos setenta o Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade apresentava uma vigorosa organização de base e sustentava, paralelo aos sindicatos do ABC paulista, as poderosas greves que iriam se alastrar às mais diversas categorias de trabalhadores do país. Sendo um dos atores vitais ao recente processo de democratização brasileira. Com um detalhe, na base de tal organização sindical estavam alguns dos principais cantores do Coral.

Relatos colhidos na pesquisa, indicaram que o Coral se transformou em um espaço de discussão política, onde os principais temas locais e nacionais eram debatidos e, como grande parte dos cantores encontravam-se no trabalho, esses debates estendiam-se para o interior da Usina, ampliando-se para os demais operários e suas famílias.

Isso principalmente no turno noturno, quando, na ausência das chefias, os membros do Coral ensaiavam seus naipes e, ao mesmo tempo, discutiam com os companheiros de trabalho sobre o teor das letras das músicas populares brasileiras, muitas de conotação política, as quais cantavam aos moldes do canto erudito.

Quando o Coral se apresentava para as autoridades públicas e para as gerências da empresa em espetáculos abertos a toda a cidade, ocorria uma inversão de hierarquias.  Pessoas dos mais baixos níveis de ocupação laboral, pobres, negras, com vozes maravilhosas brilhavam no palco e sem perceber, empoderavam os demais companheiros.

E o fato mais notável: o Coral não fora criado com objetivos políticos definidos. Sua intenção era apenas a música, o processo de politização verificado no grupo e no seu entorno, por sua influência, se deu de forma espontânea.

Com as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc II, abre-se um campo, sem precedentes na história brasileira, para uma ampla intervenção artística e cultural na sociedade, o que pode vir a favorecer ao desenvolvimento de novas sensibilidades e abrir o caminho para as transformações sociais profundas de que tanto precisamos.

 

 

Dimas Antônio de Souza é professor de ciência política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e escreve quinzenalmente para esta coluna. Twitter: @prof_Dimassouza; Instagram: @prof.dimasoficial

 

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Leia outros artigos de Dimas Antônio de Souza em sua coluna Vela no Breu, no Brasil de Fato.

 

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida