Minas Gerais

Coluna

Não se amedrontem, denunciem

Imagem de perfil do Colunistaesd
6.430 pessoas morreram pelas mãos dos agentes públicos de janeiro a dezembro de 2022 no país - uma média de 17,6 por dia. - Foto: Mídia Ninja
Maioria das pessoas mortas por policiais em 2022 é do sexo masculino, negra e jovem

Imagine que um time de futebol de uma pacata cidadezinha do interior ganha um campeonato. Toda a cidade se reúne alegre em uma praça para comemorar. Mulheres, crianças e idosos cantam e dançam pela vitória do seu time e pelo fim do campeonato, na festa que é tradicional na região. A maioria dessas pessoas, que são pobres e negras, não tem muitas possibilidades de diversão. Como a comemoração já é uma prática costumeira da comunidade, havia no local, a presença de autoridades legislativas.

Tudo corria bem até que o poder do Estado, em formato de polícia, chega e começa uma truculenta ação utilizando balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral. O cenário passa a ser de grande tensão. Na oportunidade, uma senhora, com um bebê no colo, fica gravemente ferida, com a visão comprometida. Isso porque ela tentou proteger as crianças das balas de borracha e gás lacrimogêneo. Além disso, outras várias pessoas são detidas sem um motivo que justificasse tal condução.

No momento do conflito, uma das autoridades legislativas questiona o motivo da operação e não obtêm respostas. Além disso, não é ofertada às vítimas a oportunidade de dar sua versão dos fatos no boletim de ocorrência. Os moradores dessa cidadezinha se unem e denunciam o caso aos órgãos competentes, exigem audiências públicas, ações do Ministério Público, inclusive de reparação.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

A narrativa relatada acima parece um roteiro de um filme policial. Contudo, pasmem, todos os fatos são verídicos e aconteceram há menos de 40 dias numa cidade mineira. Passam-se os anos e a violência do Estado parece continuar indistintamente e levada a efeito nas ações daqueles que deveriam ter o compromisso maior de dar segurança aos cidadãos.

Anuário aponta aumento de mortes

A violência policial pode ser definida como o uso da força ou da coação, no exercício da função estatal de segurança pública, de forma desnecessária ou excessiva contra outras pessoas. Esse tipo de prática policial definida acima é também denominada de violência ilegal ou ilegítima, e configura como o não cumprimento da Constituição da República e a violação generalizada dos direitos humanos. Um exemplo claro do que acontece nas periferias pode ser confirmado nas informações abaixo.

Segundo os dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados no mês de julho deste ano, 6.430 pessoas morreram pelas mãos dos agentes públicos de janeiro a dezembro de 2022 no país - uma média de 17,6 por dia. O levantamento aponta que a maioria das vítimas é do sexo masculino (99%), negra (83%), jovem (45% tem de 18 a 24 anos) e foi morta por arma de fogo (99%). Sobre os autores, o Anuário afirma que são militares em serviço (2.359), seguidos por militares de folga (217), civis em serviço (117) e civis de folga (19).

Apesar da alta letalidade e das possíveis violações de direitos humanos, as denúncias que chegam aos órgãos de proteção, ou aquelas que se transformam em procedimento administrativo ou processo judicial, são poucas. Na verdade, podem ser consideradas um pontinho no oceano de atrocidades de tudo o que acontece por aí. A falta de conhecimento sobre os próprios direitos faz com que pessoas não procurem os órgãos competentes.

A união faz a força

Não é possível que se permita que essa força dita “legal” exercida pelo Estado continue acontecendo. Façam como os moradores dessa cidadezinha, não se amedrontem, denunciem. As pessoas que acreditam que não conseguem denunciar sozinhas, devem se juntar em grupos e exercer seus direitos de forma cidadã. Além disso, devem procurar quais são as instituições de apoio de sua região que podem, além de oferecer informações, fazer os encaminhamentos necessários.

Vale ressaltar que toda denúncia deve ser formalizada. O primeiro passo é o registro de um boletim de ocorrência. Se a vítima não conseguir realizar o boletim no momento da violência, ela pode procurar uma delegacia depois para protocolar a sua versão dos acontecimentos.

O próximo passo é procurar instituições que atuam na fiscalização, como o setor de direitos humanos do Ministério Público (MP). Caso haja alguma dificuldade, existem outros setores de articulação estadual que conseguem acionar o MP. Outro órgão para pedir auxílio é a Defensoria Pública da cidade. Sempre existem outros organismos que fazem defesa da população.

Importância da Comissão de Direitos Humanos da ALMG

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tem um papel muito importante, no ponto de vista da fiscalização, formação dos órgãos de proteção e visibilidade do caso. É importante fazer a denúncia na ALMG, porque é a casa do povo. Na comissão, a denúncia terá incidência política e será aberta uma fiscalização do Poder Executivo. Além disso, haverá diversas outras ações que cabem ao Legislativo, dependendo do caso.

A Comissão de Direitos Humanos segue rigorosamente a Constituição Federal. Toda vez que os direitos são atacados, a comissão entra em cena para mostrar que eles devem ser respeitados. Ou seja, a comissão tem a tarefa árdua de explicar para todos que lutar por uma política de segurança pública adequada é reconhecer a existência de todas as pessoas, tradições, culturas e os saberes. É considerar o fato de que as pessoas que exercem a função de segurança pública merecem condições dignas de trabalho, mas que não podem apagar nenhuma vírgula dos direitos fundamentais.

Por fim, vale ressaltar que todos esses órgãos e setores são frutos de resistência e luta dos movimentos populares e dos profissionais do direito. Essa conquista deve ser comemorada, pois, apesar dos dados das operações policiais excessivas sem justificativas, portanto, violentas, existem “lugares” onde se pode recorrer.

 

Andreia de Jesus é deputada estadual (PT) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

--

Leia outros artigos de Andreia de Jesus em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG

--

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Larissa Costa