Minas Gerais

Coluna

Por mais mulheres no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

Imagem de perfil do Colunistaesd
Fachada do TCE-MG - Foto: TCE-MG
Fundado em 1935, o TCE-MG teve em todo esse tempo uma única mulher em sua composição.

Tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma proposta de nossa autoria que emenda a Constituição mineira com o objetivo de ampliar a participação de mulheres no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). Nossa proposta de emenda à Constituição (PEC) 21/2023 prevê que, se houver candidatos de ambos os sexos, a Assembleia observará a alternância de gêneros, respeitando a paridade entre homens e mulheres nas indicações de sua competência.

O TCE é constituído por quatro conselheiros indicados pela Assembleia e três pelo governador, que são substituídos em razão de morte ou aposentadoria. Não existe até agora uma normatização a respeito da paridade de gênero nas indicações feitas pelo Poder Legislativo. Essa lacuna normativa nos levou à apresentação da PEC 21/2023, que recebeu as assinaturas de colegas parlamentares do bloco Democracia e Luta e de outros blocos da Assembleia, aos quais registro aqui minha gratidão.

Concebida como uma contribuição à luta das mulheres pela ocupação de espaços de poder e decisão política em Minas Gerais, a PEC 21/2023, seja pelos motivos que a inspiram, seja pelas dificuldades que enfrenta, é representativa do que se passa hoje em nosso estado e, em escala ampliada, no país.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Em 88 anos, uma única mulher conselheira

De um lado, quanto a sua motivação, podemos dizer que nossa proposta surge da constatação de uma histórica injustiça que se faz às mulheres mineiras. Os números falam por si mesmos. Fundado em 1935 e contando, portanto, 88 anos de existência, o TCE-MG teve em todo esse tempo uma única mulher em sua composição. Trata-se da conselheira Adriene Barbosa, que chegou a presidir o órgão e faleceu em 2018.

Para explicar esse número incompreensivelmente desproporcional quanto à representação de gênero, não cabe falar de uma suposta falta de interesse das mulheres pelo órgão, cujo corpo técnico tem atualmente 60% de servidoras. Ou seja, mulheres, mais do que homens, têm procurado o TCE como opção de atuação profissional no serviço público. E mais do que homens têm sido aprovadas no concorrido concurso público destinado ao provimento de vagas na instituição.

Não faltam às mulheres, por conseguinte, motivação e capacidade para atuar no TCE, onde já são maioria. O que lhes falta é apoio político para ocuparem também mais vagas de conselheiras com o mesmo brilhantismo que têm demonstrado nas carreiras técnicas do órgão. É a busca desse apoio que motivou nossa proposta.

De outro lado, quanto às dificuldades que enfrenta, nossa PEC 21/2023 ilustra a desigualdade de gênero arraigada nas instâncias de poder e decisão política em Minas. Nesses tempos em que a esquerda e a direita esclarecida se dizem de acordo quanto à necessidade de superar estruturas arcaicas para valorizar as mulheres, enfrentamos na Assembleia dificuldades que não imaginávamos possíveis. Elas começaram pelo fato de que nem no bloco progressista da Casa conseguimos a totalidade das assinaturas, o que já nos leva a refletir sobre o tipo de progressismo que alguns têm em mente ao exercer suas atividades parlamentares.

Se não fosse o bastante, seria preciso dizer que algumas parlamentares da bancada feminina, diante da proposta de empoderar mulheres no TC-MG, optaram por não assinar nossa emenda, o que nos leva à reflexão sobre o tipo de representação de suas eleitoras que elas se propõem a fazer. Sem o apoio de alguns progressistas e de algumas das mulheres da Casa, nossa proposta correu o risco de não obter 26 assinaturas, número mínimo para começar a tramitar. Foi, porém, acolhida por outros parlamentares, o que possibilitou atingir o total de assinaturas necessárias.

Privilégio, não. Igualdade, sim

As dificuldades enfrentadas pela PEC 21/2023 para começar a tramitar na Assembleia tornam-se difíceis de compreender quando vistas a partir dos termos da nossa proposta. É preciso ressaltar que não pedimos, de nenhum modo, tratamento privilegiado para as mulheres no TCE. Pelo contrário, elas deverão preencher os requisitos constitucionais previstos, aos quais não acrescentamos nem tiramos nada.

Assim, as candidatas à indicação da Assembleia para conselheiras deverão, como os homens, ter: 1) mais de 35 e menos de 70 anos de idade; 2) idoneidade moral e reputação ilibada; 3) notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; 4) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional em uma das áreas de afinidade.

E, como os homens, elas deverão passar pelos procedimentos de arguição pública disciplinada pelo regimento interno da Assembleia. Também é cabível ressaltar que nossa proposta de alternância de gênero nas indicações não se fará de forma compulsória, mas apenas nos casos em que existam mulheres e homens que se candidataram à mesma vaga e preenchem os requisitos legais mencionados.

Quando vistas pelo ângulo das normas vigentes, as dificuldades que a PEC 21/2023 enfrentou para iniciar sua tramitação são ainda mais difíceis de compreender. É oportuno lembrar que nossa proposta se encontra em conformidade com o artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

A PEC 21/2023 também está em conformidade com a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031. Instituída pelo Decreto 10.531, de 26 de outubro de 2020, a Estratégia contém entre seus objetivos o fortalecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Com esse arcabouço normativo, ao qual se acrescenta a competência demonstrada pelas mulheres no corpo técnico do TCE-MG, entendemos que é necessário concluir que o rompimento das barreiras para que tenhamos mais conselheiras de contas em Minas Gerais deve ser visto como especialmente relevante.

Afinal, o TCE tem por objetivo garantir que o dinheiro público seja devidamente aplicado na efetivação de políticas públicas, regidas, entre outros princípios constitucionais, pela igualdade de gênero.

Política de cerceamento

Nesse ponto, precisamos alargar o campo de visão para perceber que situação semelhante à do TCE de Minas Gerais se verifica em nível nacional. Pesquisa feita pela Associação Nacional dos Tribunais de Contas (Atricon) aponta uma discrepância de representação de gênero constrangedora para qualquer pessoa minimamente comprometida com valores constitucionais e princípios éticos. O levantamento sobre a participação feminina no âmbito dos 33 tribunais de contas brasileiros foi feito em 2022 por um grupo de trabalho da Atricon.

A constatação é que, dos 226 conselheiros, 200 são homens e apenas 26 são mulheres. E existem 15 tribunais de contas sem qualquer conselheira titular. Novamente, os números falam por si mesmos. E são tão impressionantes que levaram a Atricon a elaborar uma nota recomendatória apontando a necessidade de se repensar o sistema de indicações políticas de conselheiros feitas pelo Legislativo e o Executivo (Nota Recomendatória Atricon 4/2022).

Cabe aqui o bom senso de não demonizar a política, pois tudo, como sabemos, é de algum modo político. O problema está na qualidade dessa política e desses políticos, que em pleno século 21 não superaram ainda estruturas e tradições que conduzem ao cerceamento das mulheres.

Pelo fim da misoginia estrutural

Alargando ainda mais o campo de visão, de modo a enxergar para além dos tribunais de contas, encontraremos a situação, já nossa velha conhecida, de um país que, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem mais mulheres (51,1%) do que homens (48,9%) e que, entretanto, em outubro de 2022 elegeu para o Congresso Nacional muito mais homens do que mulheres, as quais são apenas 18% da Câmara de Deputados e 7% do Senado.

É esse mesmo país que tem pouco mais de 15% de mulheres em suas assembleias legislativas e que, no fim das contas, faz jus à 142ª posição no ranking mundial de participação de mulheres na política. É, ainda, o país em que congressistas de esmagadora maioria masculina estão discutindo a PEC 9/2023, que anistia partidos políticos que não têm cumprido as cotas para mulheres e negros na composição das chapas de candidatos nas eleições para Casas legislativas.

Alguns desses partidos, como sabemos, não satisfeitos em descumprir as cotas, lançaram candidatas “laranja” na tentativa de burlar a lei e usar os recursos destinados a mulheres em candidaturas masculinas. E assim, com fraude e anistia, se retroalimenta nosso sistema político feito com exclusividade por homens e para homens.

Dizer que esses números, já quase banalizados de tão frequentes, são uma distorção do sistema de representatividade política em relação às mulheres é dizer muito pouco. O que estamos vendo neste país, onde um TCE como o de Minas Gerais teve uma única mulher em 88 anos, e onde a história oficial tentou esconder a força das mulheres que possibilitaram a articulação da Inconfidência Mineira, é que há uma misoginia institucional.

Por mais que possamos compreender que os detentores de poder e decisão política nem sempre são misóginos, e por mais que alguns deles sejam de fato favoráveis à ocupação de espaços institucionais pelas mulheres, a estrutura é, em si mesma, essencialmente misógina. Essa estrutura, considerada em nível nacional, promove um cerceamento sistemático de mulheres nas instituições públicas acessíveis pela via política e precisa ser enfrentada simultaneamente por diversas frentes, inclusive nas Casas legislativas dos três níveis de poder da Federação.

Uma das frentes de batalha diz respeito à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nas indicações de conselheiros que a Assembleia faz à nossa corte estadual de contas. Nossa PEC 21/2023, ao propor alternância de gêneros nessas indicações, é uma primeira tentativa de fazer esse enfrentamento. Pela frente, temos a tramitação do projeto, que, a julgar pelo que temos visto, promete ser outra batalha. Vamos lutá-la sem medo.

 

 

Lohanna França é deputada estadual pelo PV e está em seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

--

Leia outros artigos de Lohanna França em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG

--

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

 

Edição: Larissa Costa