Incorporação de nova terapias no SUS devem buscar o bem público
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em 7 de agosto passado, a Lei Nº 14.648/2023, fruto de projeto apresentado ao Senado pelo Senador Valdir Raupp (MDB/RO), em 2017, que autoriza a realização da ozonioterapia como procedimento de caráter complementar em todo o território nacional, desde que realizada por profissional de saúde de nível superior e com equipamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
A lei determinou ainda que o paciente deveria ser informado que o procedimento possui carater complementar não substituindo outros tratamentos. A ozonioterapia consiste na introdução do ozônio no corpo, pelo reto, vagina, de forma intramuscular, intravenosa ou subcutânea.
Desde 2018, a utilização da ozonioterapia foi reconhecida, de forma controversa, como parte das práticas integrativas e complementares do Sistema Único de Saúde no âmbito da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares.
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Apesar de incluída como prática complementar e autorizada como prática complementar por Lei, a ozonioterapia só é aprovada pela ANVISA para a realização de alguns tratamentos odontológicos (tratamento da cárie dental e tratamento de quadros inflamatórios) e estéticos (limpeza de pele).
Ainda de acordo com a ANVISA nenhum equipamento que envolve o uso de ozônio para fins médicos são autorizados para utilização e comercialização no país, ou seja, a aplicação com outras finalidades é considerada infração sanitária. Porém, diversos estabelecimentos de saúde no país, aplicam a terapia como tratamento para diversas doenças.
A aprovação da aplicação de tal procedimento por Lei foi objeto de crítica e ressalva por diferentes sociedades e organizações. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicou nota sinalizando para a ausência de evidências consolidadas que sustentem o uso de ozônio em tratamentos em consonância com a posição da Academia Nacional de Medicina e da Associação Médica Brasileira.
Para muitos especialistas em bioética e também para o Conselho Federal de Medicina, a ozonioterapia deveria ser discutida no âmbito da ciência e dos conselhos profissionais, pois faltam estudos conclusivos sobre sua eficácia. Ainda segundo o posicionamento da Abrasco, o uso da ozonioterapia também poderia significar riscos dado que não existem estudos suficientes para comprovar que a terapia não tenha efeitos adversos. Por fim, a Abrasco defende que leis não são o mecanismo adequado para aprovar tratamentos para a saúde ou incorporá-los ao SUS.
Qual é o processo adequado?
Mas qual é o processo adequado para a aprovação para realização de determinado procedimento, comercialização de medicamento ou terapias no Brasil? E o que define quais são aqueles que serão ofertados pelo SUS?
No Brasil, como mencionado anteriormente a Anvisa é o órgão responsável por regulamentar e controlar a produção e comercialização de produtos e serviços que podem causar danos à saúde emitindo o registro sanitário.
A decisão de oferta de determinado tratamento no Sistema Único de Saúde é uma atribuição do Ministério da Saúde com a assessoria da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec. A CONITEC foi criada em 2011, e atualmente é composta por 3 Comitês Temáticos e uma Secretaria Executiva. A Secretaria Executiva analisa os estudos científicos apresentados e elabora relatórios técnicos que são apresentados ao Comitê responsável. Cada comitê é composto por 15 membros com direito a voto com representantes de Secretarias do Ministério da Saúde, de representantes das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; da Agência Nacional de Saúde (ANS); da Anvisa; do Conselho Federal de Medicina; da Associação Médica Brasileira e do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde.
Com base nos relatórios técnicos os Comitês emitem seu parecer indicando ou não a recomendação de incorporação. As recomendações emitidas pela Conitec são submetidas ainda a um processo de Consulta Pública. As contribuições enviadas nesse momento são analisadas e consideradas antes da recomendação final. Com o objetivo de fortalecer a participação social no processo de decisão a Conitec também prevê um espaço para que pacientes participem apresentando sua perspectiva. A avaliação pela Conitec tem como objetivo garantir a proteção da saúde da população brasileira e a melhor alocação dos recursos disponíveis considerando as evidências dos benefícios da tecnologia bem como os impactos financeiros e assistenciais da adoção da nova tecnologia no sistema de saúde.
A criação da Conitec significou uma maior transparência ao processo decisório para processos que impactam na vida de milhares de pacientes, na organização do SUS e no orçamento público.
Pressão do mercado
É importante considerar que a aprovação da utilização de novos medicamentos e procedimentos e a incorporação ao conjunto de terapias ofertadas pelo SUS significa a abertura de mercado. Nesse sentido, esses processos decisórios são objeto de diferentes pressões por agentes como a indústria farmacêutica, de equipamentos médicos e associações de profissionais.
A aprovação de autorização e incorporação de terapias por projetos de lei, como no caso da ozonioterapia, além de não considerarem análises rigorosas sobre os riscos e benefícios envolvidos, podem refletir a pressão do lobby de empresas que produzem e comercializam medicamentos e equipamentos bem como de grupos e associações profissionais para ampliar o seu mercado de atuação, muitas vezes, em detrimento do interesse público.
O fortalecimento das instâncias envolvidas no processo de Avaliação de Tecnologias no Brasil, da Conitec e da Anvisa é fundamental para que a aprovação de novas terapias e sua incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) tenham como parâmetro e objetivo final o bem público.
Garantindo que pessoas não sejam expostas a riscos desnecessários e que o recurso seja utilizado de forma a proporcionar melhorias reais na saúde da população.
Thais Vidaurre Franco é enfermeira, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicinal Social (IMS – UERJ) & Andrea Penna é doutoranda do Instituto de Medicina Social (IMS - UERJ)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida