Está em discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que pretende retirar o direito da população de decidir sobre as privatizações da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig).
A alteração da legislação foi proposta diante da grande rejeição à venda de estatais por parte das cidadãs e dos cidadãos mineiros, conforme indicam pesquisas de opinião.
Atualmente, a Constituição de Minas Gerais impõe a realização de referendos para os processos de privatização de empresas estatais nas áreas de saneamento, energia e distribuição de gás. Essa obrigação foi criada em 2001, pelo então governador Itamar Franco, com o intuito de garantir que as decisões que envolvem o patrimônio público estejam alinhadas com a vontade coletiva.
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Driblar a população
Com a proposta de revogar o parágrafo 17 do artigo 14 da Constituição mineira, Zema tem como principal objetivo contornar o posicionamento contrário da população e pavimentar o caminho para o seu plano de privatizações.
Para o analista político Márcio Almeida, a PEC vai contra os princípios democráticos. “O referendo tem base jurídica e ele é viável de se realizar. Em uma democracia, sempre que for possível ouvir o povo, isso deve ser feito”, ressaltou.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datatempo entre os dias 15 e 20 de julho de 2022, com 2.000 entrevistas domiciliares, mostrou que 62,9% dos entrevistados são contrários a todas as privatizações, enquanto 20,8% são favoráveis a vender todas as empresas e outros 16,3% são favoráveis apenas em alguns casos, a depender da empresa.
“O governador sabe que a população é contrária às privatizações, por isso ele está tentando viabilizar esse processo exclusivamente por meio da Assembleia Legislativa, onde ele possui uma base deputados”, complementa Márcio Almeida.
Para o coordenador-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais (SINJUS-MG), Alexandre Pires, essa postura contrária ao diálogo é uma marca do governo atual.
“Desde o início, Zema adotou uma postura autoritária e fechada ao debate com os diversos setores da sociedade. Foi assim na Reforma da Previdência, tem sido assim nas questões envolvendo o Regime de Recuperação Fiscal e agora com esse tema das privatizações. Por isso, é preciso que a cidadã e o cidadão mineiros pressionem os deputados contra mais essa medida que terá impactos significativos para o patrimônio do estado”, alerta o dirigente.
Sem sentido
A justificativa do governador para tentar avançar na pauta de privatizações, mesmo contrariando a população, seria a crise fiscal nas contas do estado. Hoje, os valores de mercado somados da Copasa e da Cemig não chegam a R$ 41 bilhões. Considerando que o estado tem uma participação pouco acima de 50% nessas companhias, o montante que iria para os cofres públicos em uma eventual venda total dos papéis do estado ficaria em torno de R$ 21 bilhões.
De acordo com o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Thiago Rodarte esse valor é insuficiente para cobrir a dívida de Minas Gerais, que estaria estimada na casa dos R$ 160 bilhões. Haveria ainda impacto nas receitas correntes do Tesouro estadual, pois, com a venda de suas ações, o estado deixaria de receber os dividendos pagos pelas empresas.
Empresas lucrativas e estratégicas
Para se ter uma ideia, dados dos balanços referentes ao ano de 2022 mostram que a Copasa apurou lucro líquido de R$ 843 milhões e a Cemig de R$ 4,1 bilhões. Em ambas, o estado de Minas Gerais tem cerca de 50% das ações. Já no caso da Gasmig, que teve lucro líquido de R$ 477,7 milhões, seu capital é quase que totalmente da própria Cemig, sendo indiretamente do estado.
Para Thiago Rodarte, no caso das privatizações, o mais importante é debater o papel dessas empresas estratégicas no desenvolvimento do estado, uma vez que empresas de controle privado têm como principal objetivo o lucro.
Como exemplo, o economista cita a privatização da Companhia de Saneamento do Tocantins, ocorrida em 1998. Já em 2010, o setor privado alegou inviabilidade e devolveu as operações em regiões e municípios que não davam lucro. Por consequência, em 2013, recursos públicos tiveram que ser empregados novamente na criação de uma outra empresa de saneamento para atender 78 dos 139 municípios do estado.
“A sociedade precisa discutir o papel das empresas públicas como indutoras do desenvolvimento, principalmente em setores estratégicos. Um dos meios para isso é o referendo popular, previsto na Constituição mineira. Se esse instrumento for retirado, o debate vai ser muito prejudicado”, complementa Thiago Rodarte.
Projeto de lei propõe normas para a realização do referendo
Apesar de estar previsto no parágrafo 17 do artigo 14 da Constituição mineira, a realização de referendo para validar a privatização de empresa estatal ainda não está regulamentada. Por isso, o deputado estadual Professor Cleiton protocolou o Projeto de Lei Complementar (PLC) n. 30/2023, que ainda não teve a tramitação iniciada.
O texto propõe a realização de audiências públicas prévias, a contratação de empresa especializada por licitação ou convênio com a Justiça Eleitoral para a realização do pleito e a fiscalização por meio de auditoria independente. Além disso, ficaria proibida a veiculação de campanhas com o intuito de influenciar o voto do eleitorado.
“É mais do que justo o cidadão mineiro participar de uma decisão tão importante e que define o futuro das estatais e das riquezas do estado”, defende o deputado Professor Cleiton.
Saiba as diferenças entre referendo e plebiscito
O referendo e o plebiscito são instrumentos democráticos que permitem a participação popular direta em decisões políticas importantes. No entanto, eles têm propósitos e processos distintos.
Plebiscito - é uma consulta aos eleitores que ocorre antes da tomada de decisões políticas. Ele é utilizado quando uma questão importante está em pauta, e o governo deseja conhecer a opinião da população antes de tomar uma decisão. Em dezembro de 2011, por exemplo, a população do Pará votou contra a divisão do estado em três, o que criaria dois novos estados: Carajás e Tapajós.
Referendo - é uma consulta popular que acontece após uma decisão já ter sido tomada pelos Poderes Legislativo e/ou Executivo. Na prática, a sociedade aprova ou veta determinada alteração na legislação. No caso da Constituição mineira, as cidadãs e os cidadãos seriam chamados a se posicionar favorável ou contrariamente ao eventual projeto de lei de privatização da Cemig, da Copasa e da Gasmig, após ele ser aprovado na ALMG.
Edição: Elis Almeida