Desde que assumiu o governo de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) tenta aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). A proposta é vendida como solução única e necessária para o endividamento do estado. Contudo, além de não solucionar o problema, segundo estudiosos e servidores, a medida levará ao desmonte do serviço público, com privatizações e retirada de direitos.
Alongar para privatizar
Criado em 2016 pelo governo de Michel Temer (MDB), o RRF oferece aos estados um alongamento do prazo para quitação de sua dívida com a União, suspendendo o pagamento no primeiro ano e retomando-o nos nove seguintes, de forma parcelada, aumentando o valor da parcela a cada ano.
Em troca, o estado deve desistir de ações judiciais que questionem a dívida e adotar uma série de medidas, como a privatização de empresas públicas, a criação de um teto de gastos estadual, o congelamento de carreiras e salários de servidores, além da não realização de concursos públicos.
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Com uma dívida com a União que ultrapassa os R$ 150 bilhões, que hoje está suspensa devido a liminares do Supremo Tribunal Federal (STF), Zema iniciou uma cruzada para aprovar a adesão ao RRF em 2019.
Eduardo Couto, servidor do Poder Judiciário e presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Minas Gerais (Serjusmig), explica que as exigências impostas pelo regime, além de não resolverem a situação financeira do estado, intensificam os problemas que atingem diretamente a população.
“A restrição dos concursos e do investimento afetam toda a população do estado, principalmente aqueles que mais precisam de serviços como saúde e educação”, afirma.
Ao longo de nove anos, segundo ele, as demandas da população naturalmente crescem. Contudo, o investimento público, que deveria acompanhar o crescimento dessas demandas, diminui na proposta do RRF, fazendo cair a qualidade do serviço prestado à população.
Entrega do patrimônio
As outras condições impostas pelo Regime de Recuperação Fiscal são igualmente penosas. As principais estatais mineiras, como Cemig e Copasa, garantem à população mineira o acesso à água e energia como direitos básicos. A privatização coloca esses direitos em risco, uma vez que a responsabilidade é transferida para empresas cujo objetivo é somente o lucro.
“Nós vemos casos em que o serviço piorou muito após a privatização, como o município de Outro Preto, onde chega água com barro às torneiras das casas. A empresa privada vai levar água somente onde é rentável, mas os pequenos municípios, onde o custo é alto e não há lucro, deixarão de ser atendidos”, adverte Eduardo.
A privatização também preocupa quando se pensa na situação dos trabalhadores da empresa, que serão explorados ao máximo. A perda de direitos, da segurança e da própria vida ficam evidentes em dados sobre acidentes com terceirizados no setor elétrico: cerca de 300% maior do que com empregados próprios, de acordo com pesquisa da Fundação Coge.
Sem autonomia
Feita a adesão ao RRF, o estado também submeterá sua gestão financeira ao Conselho de Supervisão, composto por representantes do Ministério da Fazenda, do Tribunal de Contas da União e do Estado em recuperação fiscal.
“É um tipo de intervenção, o estado perde a autonomia, ficando submetido ao Conselho, onde seremos minoria”, explica Eduardo.
Já não deu certo
Os Estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal. Em depoimento recente, durante o encontro do Consórcio Sul e Sudeste (Consud), em Belo Horizonte, os governadores Cláudio Castro (PL-RJ) e Eduardo Leite (PSDB-RS) declararam que o RRF não deve ser visto como “solução dos problemas para os Estados”.
No tempo em que o pagamento da dívida com a União é suspenso, os juros são aplicados, sem vantagem alguma para o Estado. Nos anos de adesão ao regime, entre 2017 e 2020, o Rio de Janeiro não conseguiu organizar suas finanças e realizar investimentos que possibilitassem o desenvolvimento econômico e social.
Edição: Larissa Costa