Minas Gerais

Coluna

Governo Zema segue insensível aos servidores da saúde

Imagem de perfil do Colunistaesd
Servidores do cargo de auxiliar de gestão e assistência à saúde recebem baixa remuneração mensal, com valores que não chegam atualmente a um salário-mínimo, segundo levantamento divulgado pelo Sind-Saúde/MG - Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil
Com desvalorização, carreiras estão entre as de menor remuneração do serviço público mineiro

Há 31 anos, em 1992, Dária de Oliveira Araújo tornou-se servidora da Secretaria de Estado da Saúde (SES) na Superintendência Regional de Manhuaçu, no Leste de Minas. Dois anos depois, em 1994, foi a vez de Patrícia Breder ingressar na SES na vizinha Manhumirim. Dária, que se mantém na ativa, e Patrícia, que já se aposentou, foram efetivadas no cargo de auxiliar de gestão e assistência à saúde (Augas). Ambas têm em comum curso superior e pós-graduação na área da saúde.

E, como cerca de 300 outros servidores do órgão, têm uma longa trajetória no serviço público que inclui funções de alta responsabilidade técnica e baixa remuneração mensal, com valores que não chegam atualmente a um salário-mínimo, segundo levantamento divulgado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG).

Os Augas, hoje mais de 2,6 mil, são servidores que ingressaram no serviço público em outras funções e, por força de uma lei de 2005, foram reunidos na mesma carreira, depois extinta por outra legislação. Tanto na criação da carreira quanto na sua extinção deixaram de ser tomadas medidas capazes de proteger os servidores. O que aconteceu a eles é um dos retratos do descaso com o serviço público e os cerca de 6 mil servidores da área de saúde em Minas.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

A SES tem hoje em sua estrutura 22 carreiras que compõem o grupo menos valorizado pelo governo do estado. Entre os mais atingidos pela falta de valorização, além dos Augas, estão os técnicos de gestão de saúde (TGS) e os técnicos de atenção à saúde (TAS). Como as demais carreiras, Augas, TAS e TGS reivindicam, entre outros pontos, a gratificação por atividades de gestão (Gages), que contempla os servidores que, como eles, ocupam cargos de provimento efetivo nos órgãos do Sistema Estadual de Saúde. Hoje só fazem jus à Gages os especialistas em políticas e gestão da saúde (EPGS), embora os servidores das demais carreiras entendam estar na mesma situação funcional.

Casos iguais, tratamento desigual

O tratamento diferenciado aos EPGS é uma das inconsistências que vêm sendo apontadas na normatização do Sistema Estadual de Saúde. O sistema é regido por 23 leis, que reclamam, segundo os servidores, urgente revisão e consolidação, de modo a eliminar desigualdades não cabíveis em relação a funções, tempo de ingresso e progressão.

Assim, por exemplo, a legislação prevê gratificações específicas nos vencimentos básicos dos servidores da Fhemig, Funed, Hemominas e Unimontes. Nesses órgãos, segundo avaliação dos sindicalistas, a gratificação tem valor médio de 50% do vencimento básico e entra na base de cálculo do salário de aposentadoria. Entretanto, na estrutura da SES propriamente dita a única gratificação instituída foi a Gages, que só contempla os EPGS, deixando de fora as outras 21 carreiras.

Nem os EPGS, porém, estão satisfeitos. Servidores dessa carreira reivindicam a incorporação definitiva da Gages aos seus vencimentos. Atualmente, segundo a lei que regulamenta a gratificação (Lei 21.167/2012), só pode ter a incorporação o servidor que está há mais de dez anos no exercício da função na SES.

Entretanto, como é frequente que os EPGS sejam remanejados para outras áreas afins, existe a retirada da gratificação em decorrência do remanejamento. Na prática, portanto, a gratificação, além de ser difícil de obter em razão do longo tempo exigido para o exercício da função, tem situação instável, o que levou os servidores dessa carreira a reivindicar uma regulamentação que não os penalize por situações às quais eles não deram causa.

Dez anos sem correção

A ênfase que os servidores têm dado ao pedido de gratificação, que é uma remuneração de caráter complementar, tem uma explicação simples: eles buscam completar a defasagem salarial. Cálculos do Sind-Saúde apontam para uma perda superior a 30% nos últimos anos. Ela se deveu à falta de correção anual, que é direito assegurado pelo artigo 24 da Constituição mineira, e ao impacto corrosivo da inflação sobre os salários dos servidores.

A baixa remuneração, por sua vez, traz consequências dramáticas para as condições de trabalho. Na tentativa de compensar a defasagem salarial, é comum que servidores de diversas carreiras se submetam a uma jornada maior de trabalho para fazer jus a adicionais ou gratificações. No caso dos Augas, é frequente que as gratificações superem o reduzido salário-base. Levantamento do Sind-Saúde aponta que os servidores da carreira recebem em média cerca de R$ 780 como remuneração salarial. Nos últimos dez anos, eles foram contemplados por uma única recomposição de 10%, concedida em 2022, mas que não conseguiu compensar todas as perdas salariais acumuladas desde 2012.

Além de cumprirem jornadas estendidas, os servidores da SES frequentemente são levados a trabalhar em condições limite. Alguns vão para o trabalho doentes ou indispostos, para evitar que os dias de ausência, ainda que justificados, lhes tirem o direito às gratificações. Outros precisam retardar a aposentadoria ao máximo, já que o salário da aposentadoria, que não incorpora as gratificações, é insuficiente para assegurar que possam viver em condições minimamente dignas.

Foi esse o caso recente de uma servidora de 72 anos que morreu no local de trabalho. Segundo informação divulgada pelo Sind-Saúde, ela já tinha condições para requerer sua aposentadoria, mas, como muitos outros servidores, deixou de fazê-lo por medo de não conseguir sobreviver.

Desumanidade

Situação de lamentável desumanidade, esse caso está longe de ser uma exceção. Dados coletados pela secretária-executiva da Mesa Estadual de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde (SUS) Núbia Dias indicam que, do total de trabalhadores da saúde pública no estado, 68% completam em 2023 a idade mínima para requerer sua aposentadoria ou já poderiam estar aposentados.

Grande parte deles optou, entretanto, por se manter na ativa para fazer jus às gratificações. Representantes da Mesa de Negociação do SUS e do Sind-Saúde também guardam relatos de servidores que, tendo optado pela aposentadoria, não estão conseguindo sequer pagar o tratamento de problemas de saúde que desenvolveram na fase mais madura da vida.

É relevante lembrar que os problemas hoje verificados na SES tendem a se repetir com os empregados públicos do Serviço Móvel de Urgência (Samu) de Minas Gerais. Atualmente, segundo estimativa de sindicalistas que atuam junto à categoria, esses empregados, regidos pela CLT, não têm plano de carreira.

Nesse sentido, o que a categoria demanda é que só seja aprovado o próximo orçamento dos consórcios intermunicipais do Samu depois de aprovado os respectivos planos de carreira. Caso isso não seja feito, ainda conforme os sindicalistas, o risco é o de esses empregados públicos, hoje jovens em sua maioria, chegarem à idade madura com os mesmos problemas graves de valorização vivenciados atualmente pelos servidores do Sistema Estadual de Saúde.   

PL e audiência pública

Na tentativa de dar aos servidores da SES o apoio que necessitam, a Assembleia Legislativa tem se mobilizado. Na legislatura passada foi apresentado pelo deputado estadual Celinho (PCdoB) o Projeto de Lei (PL) 3.613/2022, que busca garantir a isonomia entre as carreiras no que diz respeito à Gages. O PL introduz modificações na Lei 21.167/2012, de modo a fazer com que a gratificação alcance todas as carreiras do grupo de atividades em saúde, previstas no terceiro artigo da Lei 15.462/2005.

Desde abril do ano passado, a proposição está em apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em março de 2023, já na atual legislatura, foi redistribuída sua relatoria, que passou do deputado Cristiano Silveira (PT) para o deputado Lucas Lasmar (Rede). Está sendo construída uma interação entre o nosso gabinete e o do deputado Lucas Lasmar para propor modificações e ajustes no projeto a partir de sugestões dos servidores.

Ainda como parte desse esforço, propusemos a realização de uma audiência pública para debater a situação na Assembleia Legislativa. A reunião foi realizada no dia 10 de agosto, na Comissão de Participação Popular, e contou com as presenças de membros de entidades que representam os servidores e do governo estadual.

Questionada na ocasião, por mim e por outros participantes da audiência, a respeito da grande defasagem salarial dos Augas e de outras carreiras da SES, a assessora-chefe de Relações Públicas da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) de Minas Gerais Helga Beatriz Gonçalves de Almeida, argumentou que o governo deixou de fazer as recomposições porque enfrenta limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Em busca de respostas

Repito aqui o que disse naquele momento à representante do governo: essa justificativa não é aceitável, sobretudo na circunstância em que o governo mineiro, além de conceder isenções fiscais a empresas ricas, como a que foi dada à Localiza, perdeu mais de R$ 2 bilhões do ICMS da educação por falta de um regulamento feito na data correta.

Esse mesmo governo, é bom lembrar, foi aquele que negociou com a base governista na Assembleia a concessão de um reajuste de cerca de 300% para os subsídios do próprio governador e do vice-governador, e para a remuneração de membros do primeiro escalão. Portanto, não há dinheiro para recompor as perdas salariais acumuladas ao longo dos anos pelos servidores da SES, que são deixados em situação desumana, mas há dinheiro para empresários como os da Localiza, que, aliás, estão entre os principais financiadores de campanha do governador Romeu Zema.

Acreditamos que essa situação, como dito antes, é um dos retratos do descaso do atual governo em relação aos servidores e ao serviço público na área da saúde em Minas. Na condição de deputada, porém, não podemos nos conformar com esse tipo de tratamento, que, além de faltar com a valorização e até com o respeito devidos aos servidores de uma área tão importante como a saúde, termina por penalizar na ponta os usuários das políticas públicas.

Nesse sentido, que é de inconformismo e de luta pelo que julgamos ser direito e justo, propusemos a audiência pública do último dia 10 de agosto, com o objetivo de contribuir para dar visibilidade à causa dos servidores da SES, e temos nos mobilizado desde então por meio da apresentação de requerimentos endereçados ao governo de Zema.

Nos requerimentos, já aprovados e encaminhados, não só pedimos ao governo que crie o plano de carreiras do pessoal do Samu e inicie estudos técnicos visando à concessão de recomposição salarial, sobretudo para os servidores com remuneração abaixo do salário mínimo vigente, como também solicitamos a ele que faça um estudo sobre a situação de carreiras como a dos Augas, que passaram por um processo de criação e extinção legal que lhes trouxe prejuízos.

Como em tantos outros assuntos de que temos nos ocupado na Assembleia Legislativa nesses meses iniciais da atual legislatura, estamos à espera das respostas. E não vamos descansar enquanto elas não forem dadas. A luta dos Augas e de outras carreiras é a luta pela saúde pública.

 

 

Lohanna França é deputada estadual pelo PV e está em seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

--

Leia outros artigos de Lohanna França em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG

--

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Larissa Costa