Identificamos no SUS a encarnação de um programa democrático socialista
A luta pela realização plena dos princípios universalistas e públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) completa 33 anos de institucionalidade em 19 de setembro de 2023. Esse pacto democrático pode ser lido como a ritualização histórica da imaginação política de várias gerações de brasileiros e brasileiras.
Se foi com a Lei 8080, de 1990, que se constitucionaliza o SUS, é possível dizer, no entanto, que o sentimento sanitarista como um elemento de formação nacional nos repactua com as reivindicações dos trabalhadores dos subúrbios da capital brasileira dos anos 1910 e 1920 e com as viagens de Belisário Penna, Arthur Neiva e outros médicos e cientistas pelo sertão do país, em 1918. Há uma longa trajetória de lutas pelo sentido público da saúde que nos trouxe até o SUS.
Lido nesta chave de valorização da ancestralidade, o SUS é a materialização de uma tradição política que se irmana à cultura das próprias lutas de descolonização da América Latina. Constava no programa de Salvador Allende o aprofundamento do Serviço Nacional de Saúde, brutalmente interrompido por um golpe militar apoiado pelo governo norte americano, em 1973. Nas lutas camponesas inscritas na Revolução Mexicana, de 1910 a 1917, a assistência pública à saúde era reivindicada como obrigação do Estado para com a sociedade.
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No Brasil, se no ano de constitucionalização do SUS os grandes veículos de comunicação ignoraram ou anunciaram laconicamente o seu nascimento, nos dias de hoje não é possível pensar um programa democrático consistente sem situar a sua centralidade política. Em sua irradiação democrática, a estruturação de uma Rede de Assistência à Saúde a partir do SUS envolve diretamente uma consideração das desigualdades regionais. Das periferias das grandes cidades brasileiras às populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, o acesso à saúde, a distribuição de vacinas e outros cuidados seriam inimagináveis sem o sistema público.
Quando se leva em consideração que o SUS movimenta uma vasta cadeia industrial no seu funcionamento, em que a saúde corresponde a 10% do PIB mundial, percebe-se a sua centralidade para um desenvolvimento econômico com soberania nacional. Tendo-se em conta a agenda de geração de empregos e renda, o SUS abriga hoje 5 milhões de trabalhadores – em sua maioria mulheres, não-brancas. Por fim, é importante destacar que é a partir do SUS que o Estado brasileiro se abriu mais profundamente ao anseio democrático por participação e autogoverno do povo brasileiro. Desde a 8º Conferência Nacional de Saúde, de 1986, foram realizadas outras nove conferências nacionais, precedidas de rodadas municipais e estaduais, envolvendo milhões de brasileiros de distintas gerações.
São muitos os caminhos políticos em que se pode identificar no SUS a encarnação de um programa democrático socialista. No aniversário do SUS, há um sentimento ancestral que se reatualiza e conforma a nossa identidade.
Hoje, o programa de uma reconstrução e a superação dos impasses históricos na construção do SUS está no próprio coração da reconstrução democrática do Brasil e no centro dos desafios do governo Lula.
Ronaldo Teodoro é cientista político e professor do Instituto de Medicina Social (IMS – UERJ) & Juarez Guimarães é cientista político e professor da UFMG.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida