As ondas de calor que elevaram as temperaturas das cidades brasileiras nas últimas semanas levantaram o debate sobre o avanço das mudanças climáticas e seus impactos. Em Minas Gerais e em todo o país, a atividade minerária é uma das principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), que provocam o aquecimento global.
Um estudo, publicado em 2021 pela consultoria McKinsey, indica que a atuação minerária é responsável por aproximadamente 7% de toda a emissão, a partir da atividade humana, dos GEE. Se forem consideradas as emissões indiretas, esse dado pode chegar a 28%.
“O beneficiamento dos minérios exige grande consumo de energia e muitas emissões, em especial na produção de aço, produção de alumínio, queima de carvão mineral para geração de energia. São atividades vinculadas à mineração, ao uso do minério, que elevam significativamente as emissões de GEE”, explica Bruno Milanez, que é professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
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Desmatamento
Ele destaca que, no Brasil, a ação das mineradoras ainda ganha outro destaque, que é o seu potencial de desmatamento. Ao modificar o solo, queimando ou derrubando parte de uma floresta, por exemplo, uma alta quantidade de dióxido de carbono (CO2), um dos principais GEE, é liberada na atmosfera.
“Em termos globais, há estudos que mostram que as concessões de extração mineral ameaçam 11% das florestas intactas no mundo. E, desses 11%, 60% da área ameaçada está no Brasil. Daí, percebe-se a relevância da relação entre mineração e desmatamento no país”, destaca Bruno Milanez.
Dados do Atlas da Mata Atlântica, organizado pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam que, entre os meses de outubro de 2021 e de 2022, 20.075 hectares da Mata Atlântica foram devastados, e Minas Gerais é o estado que mais desmatou o bioma. Ao todo, em território mineiro, foram 7,4 mil hectares derrubados em um ano, que equivale a mais de dez mil campos de futebol.
60 anos de alterações climáticas
Um levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que é um órgão do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e representa o Brasil junto à Organização Meteorológica Mundial (OMM), aponta que as ondas de calor, seca e inundações são resultado de 60 anos de alterações climáticas.
A pesquisa demonstra que, ao longo desse período, houve redução das chuvas, e as temperaturas do país aumentaram em 1,5 graus. Além disso, indica que fenômenos que provocam o aumento da temperatura e outros eventos extremos podem voltar a acontecer nos próximos anos.
Outro levantamento, da ONG CarbonPlan, demonstra que alguns municípios de Minas Gerais podem enfrentar até 70 dias de calor extremo nos próximos 27 anos. Entre as cidades, Governador Valadares, Ipatinga, Coronel Fabriciano e Teófilo Otoni são as mais preocupantes.
O climatologista Fábio Sanches explica que as atuais ondas de calor estão relacionadas a uma massa de ar quente e seca que “estacionou” sobre o Brasil, gerando o que se chama de "bloqueio atmosférico", e contribuindo para a elevação das temperaturas e diminuição da umidade relativa do ar.
Ele destaca, que esse evento pode ter sido potencializado pelo El Niño, que é um fenômeno natural que produz aquecimento atípico das águas do oceano Pacífico, na sua porção equatorial.
“Essa atuação anômala do ambiente atmosférico pode ter relação com mudanças climáticas, uma vez que um planeta mais aquecido reconfigura todo o complexo sistema de circulação da atmosfera. Mas, a associação desse bloqueio atmosférico, nesta época do ano, pouco antes do auge da primavera, provavelmente está relacionada à atuação de um fenômeno que ocorre no Pacífico, o El Niño”, avalia.
Não vale a pena
Para o biólogo Luiz Paulo Siqueira, da direção do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), ainda que indiretamente, o modelo predatório da mineração contribui para que eventos como as ondas de calor se tornem cada vez mais frequentes e mais intensos.
“Além do desmatamento, a mineração causa a contaminação das águas e expulsa as comunidades rurais e tradicionais, que protegem as matas nos territórios, impulsionando um processo de desertificação, em especial em Minas Gerais, com a mineração de ferro e ouro. Tudo isso está atrelado a essa dinâmica de mudanças climáticas”, avalia.
Para ele, o baixo retorno econômico e o grande gasto de energia não justificam os variados impactos socioambientais causados pela atividade minerária.
“Com todas as isenções fiscais, a mineração traz muito pouco retorno econômico e representa apenas 3% do produto interno bruto (PIB) nacional. Ao mesmo tempo, é um setor que utiliza aproximadamente 11% da energia produzida no Brasil. É discrepante”, destaca Luiz Paulo.
Falsas alternativas
Recentemente, alguns pesquisadores têm apontado a descarbonização da energia, ou seja, a produção de energia sem depender de combustíveis fósseis, como uma forma de atenuar as mudanças climáticas e o aquecimento global. Esse processo tem sido chamado de “transição energética”.
Porém, Luiz Paulo explica que, para deixar de utilizar os combustíveis fósseis, a alternativa que tem sido apresentada é de utilizar baterias com capacidade de armazenamento e recarga de energia rápida, que dependem de determinados minerais, como o nióbio, o lítio, o cobre e o alumínio. Isso tem gerado um estímulo para ampliação da exploração desses minerais.
Muito criticado, o governador Romeu Zema (Novo) foi aos Estados Unidos meses atrás anunciando o “Vale do Lítio”, em referência ao Vale do Jequitinhonha, uma das regiões do estado rica em recursos naturais.
Luiz Paulo destaca que não adianta mudar a fonte de energia se for mantido o modo de produção capitalista e sua lógica de utilização dos bens naturais sem atender às necessidades da humanidade.
“Apontar a mineração como solução é uma falácia. Enquanto for mantida essa lógica que atende setores das grandes empresas e do grande capital, sem pensar o uso dos minerais à serviço do povo brasileiro e de um projeto de nação, esse setor vai seguir sendo chave para impulsionar as mudanças climáticas”, conclui o biólogo.
Edição: Larissa Costa