A mineração na região pode acarretar no secamento de nascentes e contaminação dos cursos d’águas
Um novo projeto de lei (PL) foi protocolado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com o objetivo de alterar os limites da unidade de conservação Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda (Mona Moeda).
Essa é terceira vez que deputados protocolam projetos de lei para alterar a área do Mona Moeda. A diminuição da unidade de conservação visa permitir a ampliação de projeto da mineradora Gerdau na região.
Em 2020, o deputado Antônio Carlos Arantes (PL) apresentou um projeto de lei que também alterava os limites do Mona Moeda. A apresentação do projeto foi amplamente repercutida, principalmente após fraudes na enquete virtual realizada pela ALMG. Detectou-se o uso de robôs para ampliar a votação favorável ao projeto. Com a repercussão negativa gerada e a ampla mobilização popular, a votação da enquete foi anulada e o deputado se viu obrigado a retirar o projeto de tramitação.
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Porém, em 2021, o deputado Thiago Cota (PDT) apresentou um jabuti, nome dado à inserção de uma medida totalmente distinta do tema inicial da proposta. Em um projeto de lei que tratava da apreensão de veículos durante a pandemia, o parlamentar propôs a inclusão da alteração dos limites da unidade de conservação para permitir a expansão da mineração.
A tramitação desse projeto de lei se deu de maneira acelerada, sem realização de audiências, com votação ocorrida na calada da noite e burlando ritos da Casa Legislativa. A polêmica foi tão grande que o PL, apesar de ter sido aprovado em comissões, não foi apreciado pelo plenário.
O atual projeto de lei em tramitação foi protocolado pelo deputado Noraldino Junior (PSB), que foi presidente da comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG, em que pôde atender constantemente aos pleitos da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do agronegócio.
O deputado, dessa vez, tenta enganar a população afirmando que o projeto visa exclusivamente ampliar a área da unidade de conservação. Contudo, apesar da proposição de ampliação da área, os novos limites estabelecidos retiram do território da unidade de conservação justamente a região pretendida pela mineradora Gerdau para expandir suas operações.
Ou seja, mais uma vez, de maneira sórdida, os deputados que representam os interesses econômicos que degradam os bens naturais se utilizam de mecanismos para camuflar o real objetivo do projeto de lei. O deputado atua com covardia, tem medo do debate e da reação da sociedade. E, com hipocrisia, discursa em defesa da natureza, mas seu real propósito é atender o interesse das mineradoras.
Gerdau quer ampliação da mina
Desde 2006, a Gerdau instalou a mina Vargem do Lopes em Itabirito e, cada vez mais, tem chegado à exaustão das jazidas minerais. Por isso, ela pretende ampliar a cava, abrangendo a cidade de Moeda, para a continuidade de suas operações.
A atual Gerdau S.A, antiga Açominas Gerais, que foi privatizada a preço de banana na década de 1990, alterou as metas de produção da mina Vargem do Lopes desde sua instalação. A mina, que foi inicialmente criada para abastecer as siderúrgicas da empresa, passou a destinar boa parte de sua produção para exportação, se beneficiando das inúmeras isenções fiscais, do aumento do preço do minério de ferro e das taxas de câmbio, que, com a alta do dólar, estimulou a venda de commodities no mercado internacional.
A movimentação da Gerdau, de priorizar a exportação de minério bruto ao invés da produção siderúrgica, foi a mesma utilizada por diversas companhias de natureza metalúrgica, a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Valourec e da Usiminas S.A. Essa alteração na política das empresas na busca de ampliação de lucros tem intensificado o processo de desindustrialização no Brasil, reprimarização da economia nacional e de esgotamento célere das jazidas de ferro que estão sendo destinadas, de maneira primária, sem nenhum beneficiamento, à exportação.
Dessa forma, a vida útil da mina Vargem do Lopes, que seria muito maior de acordo com seu planejamento inicial, garantindo uma escala menor de exploração voltada a abastecer a produção de aço, foi exaurida diante da política de exportação primária e obtenção de lucros extraordinários adotada pela Gerdau. Todo mundo que passa pela BR-040 pode observar a rápida velocidade da expansão da cava, nos últimos dez anos, e a monstruosidade da destruição da Serra da Moeda.
A instalação da mina, desde seu início causou polêmica, pois foi feita de maneira ilegal, burlando o processo de licenciamento ambiental. A Gerdau chegou a fazer compromissos de que não ampliaria em direção à Serra da Moeda, porém, a mineradora não tem honrado seus acordos e articula, já há alguns anos, sua expansão.
Violações da legislação ambiental
O modo de operar da empresa sempre foi marcado pelas sistemáticas violações da legislação ambiental. Em 2017, por exemplo, o Instituto Estadual Floresta (IEF) constatou que a Gerdau estava invadindo a unidade de conservação e minerando para além dos limites autorizados pelos órgãos ambientais.
Em 2020, o governo Zema (Novo) concedeu uma licença à mineradora para a recuperação de áreas degradadas, mas a Gerdau utilizou-se dessa parceria para ampliar e atingir áreas do Monumento Natural novamente. A mineradora foi obrigada a reconhecer, mais uma vez, o crime ambiental e suspender as atividades de expansão.
Moeda é, talvez, o único município da região do quadrilátero ferrífero que não possui empreendimento minerário. Um local repleto de sítios arqueológicos, cachoeiras, agricultura familiar consolidada e que atrai milhares de turistas para se banharem nas águas e aproveitar a tranquilidade da cidade.
Recentemente, a Gerdau e a Fiemg convocaram a Prefeitura de Moeda, a Câmara Municipal e lideranças locais para um encontro com o objetivo de apresentar, novamente, contrapartidas para a entrada da mineração na cidade. A Gerdau necessita do apoio da Câmara Municipal para alterar a legislação do município, ao mesmo tempo que necessita da prefeitura para obter documentos para o processo de licenciamento ambiental.
A mineradora pretende destruir a paisagem, as águas e o atrativo turístico de Moeda, mas, mesmo assim, insiste no lobby sujo tentando intimidar e convencer autoridades locais a ceder para seu projeto. A Gerdau tem intensificado a estratégia de criar um clima tenso na cidade, gerando polarização e coagindo os trabalhadores, ameaçando-os de que, caso a mina não se expanda para Moeda, irá realizar demissões em massa.
A Serra da Moeda é um patrimônio da humanidade, referência da história de Minas Gerais que abriga uma riqueza arqueológica única. Um manancial poderoso, repleta de nascentes com águas cristalinas, também conhecida como Mãe D'água. Minerar nessa região é um crime e deve ser veementemente impedido.
Sinclinal da Moeda e a segurança hídrica da RMBH
Essa nova tentativa de desregulamentar a legislação reacende o conflito em torno da ampliação da mineração no município de Moeda. Vai ser preciso uma ampla mobilização popular e pressão na ALMG para derrotar o projeto da Gerdau e da Fiemg, representado pelo deputado Noraldino. Além de vencer essa batalha, tão necessária neste momento, precisamos, também, ampliar o debate em torno do avanço da mineração em todo o Sinclinal da Moeda.
O Sinclinal da Moeda integra o que é chamado de região do quadrilátero ferrífero, e corresponde à um corredor de montanhas que parte da Serra do Curral, logo após a saída de Belo Horizonte, e segue até o Rio Paraopeba, em Congonhas. Sua extensão chega a 80 quilômetros e sua largura atinge aproximadamente 30 quilômetros, passando pelos municípios de Brumadinho, Nova Lima, Itabirito, Moeda, Rio Acima, Belo Vale, Jeceaba e Ouro Preto. O Sinclinal é cortado por um trecho da BR-040, permeando a Serra da Serrinha ao leste, onde fica localizado o Pico do Itabirito, e a Serra da Moeda à oeste.
Esse corredor de montanhas é o divisor natural das bacias hidrográficas do Rio da Velhas e do Rio Paraopeba. A estrutura geológica do Sinclinal da Moeda é raríssima, e é o que possibilita a formação dos aquíferos Cauê, formados a partir das rochas com minério de ferro. É essa estrutura geológica que garante a abundância hídrica da região. Além disso, é por causa dela que as serras conseguem garantir grandes armazenamentos e a vazão lenta das águas, permitindo a perenidade das inúmeras nascentes mesmo em época de estiagem.
A exploração do minério de ferro destrói essa estrutura geológica, acarretando na impossibilidade do armazenamento das águas da chuva, impedindo a formação dos mananciais, provocando o secamento de nascentes e, além disso, a contaminação dos cursos d’águas.
Importante ressaltar que todo o abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) depende de dois mananciais: o Rio das Velhas e a bacia do Rio Paraopeba. O avanço da mineração e da ocupação desordenada, capitaneada pela especulação imobiliária e grandes condomínios, tem destruído, cada vez mais, a capacidade de recarga das águas e comprometido a segurança hídrica da RMBH.
Além da importância hídrica, o Sinclinal da Moeda tem uma função chave na regulação do clima em todo o território da RMBH. A sua constante destruição acarreta problemas ainda maiores impulsionando as consequências negativas das mudanças climáticas e elevações das ondas de calor.
Toda a região do Sinclinal da Moeda compõe também um ambiente de singularidade e grande importância para a biodiversidade, abrigando diversas espécies endêmicas de fauna e flora. A grandeza da riqueza arqueológica presente no território deve ser preservada e valorizada, pois é o que representa nossa história e formação das Minas Gerais.
É necessário restringir a mineração no Sinclinal da Moeda
As diversas unidades de conservação na região, como o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, a Estação Ecológica de Arêdes, a Serra da Calçada, a Estação Ecológica de Fechos, o Mona Moeda, entre outras, têm que ser mais bem conectadas, possibilitando sua conservação e um ambiente cada vez mais atrativo para o turismo, para práticas de esporte, de lazer e estímulo para atividades econômicas alternativas à mineração.
A política de ampliação da mineração desenfreada na região do Sinclinal da Moeda tem que ser combatida. Esse modelo que deteriora a economia mineira, que estimula a produção de comodities, a desindustrialização e que subordina o território aos interesses estrangeiros não tem nada a oferecer ao povo de Minas Gerais, a não ser os rastros de miséria e destruição socioambiental.
A tramitação desse PL na ALMG demonstra a ausência de debates mais profundos sobre a perspectiva de desenvolvimento para Minas Gerais e, também, a hegemonia de um projeto, capitaneado pelo governador Zema, que intensifica a exportação primária de nossos bens naturais e opta pelo subdesenvolvimento do estado.
Se o Estado estiver preocupado em salvaguardar todo esse patrimônio ambiental, paisagístico, cultural e garantir a segurança hídrica de toda a RMBH é necessário impor limites e restringir a mineração no Sinclinal da Moeda. Porém, ao que parece, as instituições estão pouco comprometidas nesse sentido. Por isso, se faz necessário, enquanto dever histórico, que o povo se organize e enfrente, mais uma vez, essa ameaça de retrocesso a Minas Gerais.
Luiz Paulo Siqueira é biólogo e coordenador nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa