Existem cerca de 7 mil indígenas na RMBH
Nos últimos anos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) aconteceram seis retomadas indígenas:
1) Retomada Kamakã, em Esmeraldas; 2) Retomada Pataxó, em São Joaquim de Bicas; 3) Retomada Katurama, em São Joaquim de Bicas; 4) Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho; 5) Retomada Xukuru-Kariri, em Brumadinho; e 6) Retomada Terra Mãe, do Povo Indígena Warao, de refugiados da Venezuela, que aconteceu no início de setembro de 2023, na cidade de Betim.
Betim e a Terra Mãe
Na retomada Terra Mãe, do Povo Warao, dezenas de famílias de parentes indígenas, além de outras etnias, com centenas de famílias sem-terra e sem-teto, ocuparam um grande terreno, mais de 100 mil metros quadrados (mais de dez hectares, o que equivale a mais de dez campos de futebol).
A propriedade estava abandonada, ociosa, sendo espaço para depósito de lixo e entulho; propriedade que não cumpria sua função social em Betim, cidade com uma enorme desigualdade socioeconômica e com uma das maiores presenças de povos periferizados de toda a RMBH.
No terreno da retomada Terra Mãe houve uma ocupação em 2011, que foi despejada com brutal pressão da polícia militar doze anos atrás. Na ocasião, o juiz da Vara Agrária de Minas Gerais mandou arquivar o processo, porque a parte autora não demonstrou interesse em continuar o processo. Diz-se que o terreno é espólio de herança.
O fato é que estava abandonado há muitas décadas antes de 2011. Houve o despejo e o terreno continuou abandonado. Como a Constituição Federal de 1988 (CF 88) exige que toda propriedade cumpra sua função social, uma propriedade que não cumpre sua função social deixa de existir, como interpretam muitos juristas e constitucionalistas. Ou seja, a CF 88 não protege propriedade que não cumpre sua função social.
Sobre a Retomada Terra Mãe em meados de setembro de 2023, um juiz de 1ª instância, da 1ª Vara Cível da Comarca de Betim, mandou reintegrar na posse quem não exercia a posse.
A decisão viola e desrespeita a decisão de nove ministros do Supremo Tribunal Federal que, no final da pandemia da covid-19, na ADPF 828, determinou que todos os Tribunais Estaduais e Federais criassem Comissões de Conflitos Fundiários que fizessem visita técnica in loco, audiência de conciliação e buscassem alternativas dignas e prévias que evitassem despejos que implicassem em jogar famílias ao relento nas ruas.
Há também decisão do ministro Alexandre de Moraes que obriga o poder público a fazer políticas públicas que resolvam a situação de milhares de irmãos e irmãs que estão em situação de rua em centenas de cidades brasileiras.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) manifestou interesse no processo; houve também arguição da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal requerendo que a competência para julgar o caso deve ser da Justiça Federal, diante da realidade de que se trata de retomada indígena e quem julga sobre questões relativas aos indígenas é a Justiça Federal. Com isso foi suspensa a reintegração de posse.
Bloqueio da BR 262
Dia 27 de setembro de 2023, os povos da retomada Terra Mãe bloquearam a BR 262 em Betim, MG, próximo ao local da retomada, em protesto contra o anúncio já feito pela Polícia Militar de que faria o despejo na madrugada seguinte, dia 28 de setembro.
A Polícia Militar de MG foi truculenta. Atirou no povo, jogou bombas de gás lacrimogêneo no meio da multidão que bloqueava a BR. Várias pessoas foram feridas. Idosos, mães e crianças também foram atacados com gás lacrimogênio. O direito de manifestação foi violentado pela PM de MG.
E mais: a fiscalização da BR 262 é competência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que não apareceu. Estranhamente e usurpando sua competência, quem apareceu em um piscar de olhos foi a PM de MG, que chegou com brutalidade absurda. Um sargento chegou imbicando um revólver no rosto de uma liderança indígena.
Entretanto, os povos indígenas e sem-teto não arredaram o pé e continuaram a manifestação protestando contra o despejo iminente. Fizeram a PM recuar e reocuparam novamente a BR 262, o que causou mais de 15 Km de congestionamento. O povo dizia de cabeça erguida que jamais aceitará despejo e gritava: “Se o despejo vier, a BR vai parar! Bloquearemos a BR quantas vezes forem necessárias!”
Brasil é mais indígena que imaginamos
No Censo do IBGE, de 2022, em Belo Horizonte e Região Metropolitana, 6.476 pessoas se autodeclararam indígenas.
Em Belo Horizonte, 2.692; em Contagem, 796; em Betim, 761; Ribeirão das Neves, 362; São Joaquim de Bicas, 356; Santa Luzia, 211; Ibirité, 140; Esmeraldas, 137; Sabará, 117; Sete Lagoas, 117; Brumadinho, 113; Vespasiano, 112; Nova Lima, 81; Lagoa Santa, 78; Juatuba, 76; Igarapé, 67; Pedro Leopoldo, 49; São José da Lapa, 37; Matozinhos, 26; Rio Acima, 18; Mateus Leme, 27; Sarzedo, 15; Jaboticatubas, 13; Capim Branco, 13; Itatiaiuçu, 13; Mário Campos, 11; Itaguara, 09; Caeté, 08; Florestal, 08; Confins, 05; Raposos, 05; Rio Manso, 01; Baldin, 1; Taquaraçu de Minas, 01.
No ano de 2007, uma pesquisa do Centro de Documentação Eloy Ferreira (CEDEFES), estimava a existência aproximada de sete mil indígenas em Belo Horizonte e RMBH.
Cumpre evidenciar que o Censo do IBGE, de 2022, certamente mostra uma subnotificação. Com certeza o número de indígenas e quilombolas é muito maior do que o que foi anotado. Não podemos esquecer que o Censo do IBGE, em 2022, aconteceu no desgoverno de Bolsonaro.
O Brasil é muito mais indígena que imaginamos. Viva a luta indígena!
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em filosofia pela UFPR; bacharel em teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CebiI e das ocupações urbanas; professor de teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica).
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Leia outros artigos de Frei Gilvander Moreira em sua coluna no Brasil de Fato MG!
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Edição: Elis Almeida