: Escolas oferecem ensino, assistência, formação ética e estética
Todas as pessoas que têm apreço pela democracia, não apenas no seu sentido formal, mas substantivo - aquele que ultrapassando as formalidades eleitorais, se expande como forma e conteúdo das relações humanas - deveria preocupar com o lugar ocupado pela educação, em sua forma escolar, na contemporaneidade brasileira.
Paradoxalmente, depois de quatro décadas de construção de uma escola que almejava a formação das pessoas a cidadania, para a inclusão, para pluralidade e a diversidade, para falar de apenas algumas de suas qualidades, vimos que dezenas de milhões de pessoas que passaram por essa escola resolvem escolher (em 2018) para a Presidência da República uma pessoa absolutamente avessa a todas essas coisas.
Não bastasse isso, nas eleições de 2022, o inelegível, depois de ser responsável diretamente pela destruição do Estado Nacional e pela morte de mais de 500 mil pessoas, das mais de 700 mil pessoas que morreram de covid-19, teve 400 mil votos a mais do que em 2018. E isso com o apoio de pessoas de alta formação escolar e de instituições que dizem presar a ciência e o conhecimento dela advindo.
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Isso bastaria para a gente colocar em suspeição a ideia, bastante difundida e amplamente defendida pelas elites empresariais brasileiras, que a salvação da nação estaria nas mãos da escola, desde que essa seja de qualidade.
Escola, base para democracia
Historicamente, ainda que a escola seja uma instituição basilar da democracia moderna, sobretudo se se considera as suas formalidades, ela nunca foi suficiente para a garantia de avanços sociais e políticos.
Não é sem motivo que o movimento sindical e, de uma forma geral, os movimentos sociais sempre desconfiaram das promessas empresariais de mais e melhores escolas (para a garantia da melhoria de vida e da democracia), ao mesmo tempo em que tais elites buscavam destruir todas as formas de organização e educação mais autônoma das classes trabalhadoras e dos coletivos inconformados com o status quo.
A experiência da pandemia de covid-19, e as mais perversas formas de exclusão e produção de desigualdades que pudemos presenciar nos últimos anos, nos mostraram a capilaridade da escola pública e do SUS. E a ação das pessoas que nestas instituições trabalham, ou seja, do Estado, foi fundamental para minimizar os impactos da política genocida adotada pelo Governo Federal e seus aliados na sociedade civil e nas várias esferas e estruturas do Estado.
A ação da escola no governo da população, sobretudo infanto-juvenil, mas não apenas, é de longa data conhecida e jamais pode ser reduzida ao ensino e à aprendizagem das disciplinas escolares.
São ações de guarda, assistência, formação ética e estética, além de impactar as sensibilidades e os modos de representação sobre a política e as demais dimensões da vida social.
Disso decorre, pois, que para que possamos colocar a escola à altura das exigências do mundo contemporâneo, não basta reformar os currículos e formar mais e melhor as pessoas que na escola trabalham. A tarefa exige ações muito mais radicais.
Trazer arte para as escolas
Fazer a escola contemporânea do nosso tempo exige trazer para o interior da escola formas de representações que a escola moderna nunca quis (ou pôde) oferecer às camadas populares.
Todas as artes foram expulsas da escola!!! E elas são essenciais para a vida, para a criação de possibilidades de um mundo melhor para todas as populações, humanas e não humanas, que habitam o planeta!
No Brasil, as camadas médias que, de certa forma, moldam a escola, inclusive a pública, mesmo que não a frequentem até o Ensino Médio, nunca esqueceram da importância das experiências e das representações “não racionalizadas” para a constituição do humano e de todas as dimensões da vida social.
Por isso, sem muito questionar a ausência das artes na escola, investem tempo e dinheiro na manutenção de “aulas particulares” de ballet, teatro, dança, cinema, pintura, escultura. Isso para não dizer das línguas estrangeiras e das viagens!
Mas não basta recuperar as artes nas escolas e, com elas, as possibilidades de vivência de outras formas de representar o mundo.
É preciso libertar a própria educação de sua forma escolar.
A burguesia de tudo faz, há pelo menos dois séculos, para reduzir a educação à escola, pois esta é muito mais fácil de controlar (ainda que, no limite, como sabemos, também os sujeitos escolares teimam em se rebelar).
Ao mesmo tempo que “oferecem” escola, tudo fizeram (e fazem) para destruir as outras formas de educação autônoma das classes trabalhadoras.
Por isso, apoiam a escola, mas apoiam também governos que investem em políticas que causam desemprego e concentração de renda; que criminalizam os movimentos sociais e enfraquecem os sindicatos. Nunca é demais lembrar, mais uma vez, que a única ética e racionalidade do capital é, ao fim e ao cabo, o lucro.
Seremos nós capazes desse duplo giro, ou seja, radicalizar as reformas escolares e, ao mesmo tempo, reconhecer e fortalecer os processos educativos propostos e representados pelos coletivos democráticos e de luta por um mundo melhor?
Seremos capazes de questionar, de fato, a racionalidade hegemônica e propor outras razões e formas de pensar, representar e criar o mundo? Esses são, sem dúvida, alguns dos grandes desafios para os quais, mais uma vez, somos convocados.
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e Professor Titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida