Os dois pombinhos viviam numa espécie de Faixa de Gaza
As famílias eram contra o casamento. Cada família tinha seus motivos. Uma família vociferava:
— Esse sujeito não presta! Ele não trabalha! Só vive de conversa fiada pelo bairro! Não tem dinheiro nem responsabilidade para sustentar uma casa. O pai dele já foi presidiário. Ele faz o que da vida?
A outra família retrucava:
— Ela é vagabunda! Fica o dia todo na academia, no salão de beleza, passeando com um cachorro pra lá e pra cá! Não é mulher pra casar! Já namorou o bairro todo! Você será um chifrudo daqueles. Olha a mãe dela com aquela idade avançada, parece uma piriguete andando por aí, com aquele short bem curtinho. E o cabelo dela, hein? Pixaim, meu Deus!
E assim os dois pombinhos viviam numa espécie de Faixa de Gaza. Pisando em ovos.
Ele não ligava muito para as tais críticas. Ignorava. Ela ficava mais chateada. Só que o pai da moça resolveu que iria desmascará-lo de qualquer maneira. Começou a segui-lo por onde ia. O pensamento obsessivo para liquidar com o casamento, não saia da sua cabeça.
Ele tinha o hábito de ficar tomando umas cervas num boteco perto de casa e jogava truco todo dia à noite. Era sagrado para ele. O pai da moça estava disposto a tudo. Não queria o casamento de jeito nenhum.
A mãe dele também teve a mesmíssima ideia. Só que desistiu. A moça tinha muitos fãs no bairro. E começou a falar da mãe dele. O pai continuava a mil por hora com seu plano maligno.
Um dia, a moça chegou furiosa e foi direta perguntando:
— Que negócio é esse que meu pai me contou?
— Que negócio, amor?
Ela realmente estava brava e não tirava os olhos dele. E aos gritos, perguntou:
— Você tem um filho com uma vagabunda da rua debaixo?
— Filho? Que maluquice é essa? De jeito nenhum.
E o pau quebrou. Ficou um disse-me-disse. Eles terminaram. Cada um foi pro lado.
Ela se casou grávida com outro. A dúvida sempre perdurou na família. O silêncio também. Ela separou. Depois viuvou, de outro. Resolveu ficar sozinha.
Anos depois, eles se encontraram sem querer num circo famoso que passava na capital. Ela levou o filho, que já tinha treze anos. Ela reparou que o filho estava muito parecido com ele. Os olhos eram puxados e uma mancha no rosto. Por obra do destino, ele era o bilheteiro. Os dois começaram uma conversa por ali mesmo. Ele soube que ela tinha se separado e era viúva do segundo marido. Conversa vai e vem, ela descobre que ele nunca tinha casado e não teve filhos.
Ele explicou, meio constrangido, que vivera com uma mulher por anos e não tiveram filhos. Ela o interrompeu:
— Parece que é um carma pra você, né? Ele só balançou a cabeça.
Ela foi embora sem dar mais uma palavra.
Edição: Larissa Costa