Minas Gerais

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As barragens de mineração aguentam as chuvas?

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Além das barragens de rejeitos de mineração, existe em Minas, no município de Caldas, uma barragem com material radioativo. - Foto: Feam/ divulgação
A própria Semad disse que as barragens podem não suportar chuvas decorrentes das mudanças climáticas

A crise climática está aqui. Todo mundo vê, todo mundo sente. Belo Horizonte, por exemplo, registrou o dia mais quente de sua história em 25 de setembro deste ano, atingindo 38,6 graus. Em um contexto de profunda destruição ambiental, ocasionada pela ação humana, e o consequente aquecimento global, o volume de chuvas se torna mais extremo. Em um estado como Minas Gerais, a preocupação ganha mais contorno devido às 285 barragens de mineração.

No início de outubro, fizemos uma reunião na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa com a presença de convidados para debater a segurança das barragens no contexto de crise climática. Após pedido de informação da Assembleia Legislativa, tivemos como resposta formal da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad) que as barragens de mineração podem não suportar as chuvas decorrentes das mudanças climáticas.

Enquanto há registros de chuvas extremas em outros estados da região Sudeste, a Semad usa como parâmetro que as barragens sejam dimensionadas para suportar chuvas de 350 a 400 milímetros por dia.

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Durante a reunião, o presidente do Instituto Fórum Permanente do São Francisco, Euler de Carvalho Cruz, apresentou dados alarmantes. Em Petrópolis, por exemplo, choveu 547 milímetros em apenas 24 horas em março de 2022. Em Bertioga, litoral de São Paulo, foram 683 milímetros de chuva, em fevereiro deste ano. Se houver esse nível de chuvas em Minas Gerais, o que acontecerá com as barragens?

Se chuvas dessa intensidade chegarem em Paracatu, todo o Rio São Francisco poderá ser destruído por rejeitos. Se acontecer em Congonhas, o rompimento da barragem pode provocar a morte de 3 mil pessoas em poucos minutos. E se for na região do quadrilátero ferrífero, onde temos ao menos 63 barragens à montante da captação de água de Bela Fama, um rompimento poderia acabar com a captação que fornece 70% da água consumida por Belo Horizonte.

Barragem com material radioativo

Além das barragens de rejeitos de mineração, temos em Minas Gerais, no município de Caldas, uma barragem com material radioativo. No fim de setembro, participei de uma visita técnica da Comissão de Direitos Humanos às estruturas da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB). No local foi feita a primeira mina de urânio do país, na época da ditadura militar, sem qualquer cuidado com o meio ambiente. Depois de desativada, outros materiais radioativos foram trazidos de diferentes localidades, e a mina de urânio virou um verdadeiro lixão radioativo.

Essa mina deixou um passivo ambiental de toxicidade e risco de contaminação por radioatividade da população da região de Caldas e da bacia do Rio Grande, já que os rejeitos parecem ter extravasado para os cursos d'água que abastecem a cidade de Caldas e Poços de Caldas. A população está sujeita a um gravíssimo risco de contaminação, que pode estar vinculado aos altos índices de câncer nas duas cidades.

A barragem não funciona desde a década de 1990, mas apenas recentemente, a partir de muita mobilização da comunidade, o problema foi encarado pelos órgãos competentes e iniciado um processo tardio de descomissionamento. Diante desse cenário alarmante, imagine se Caldas receber chuvas extremas, o que acontecerá com os moradores e com o meio ambiente?

Mineração acelera mudanças climáticas

Outro fator relevante nesse debate é que, além dos riscos das barragens, a mineração também acelera as mudanças climáticas e é apontada por especialistas como um dos principais setores responsáveis pela emissão de gases que causam efeito estufa. Um estudo com dados levantados pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) no SEEG/Observatório do Clima, a pedido do Observatório da Mineração, destaca que a cadeia minero-siderúrgica emitiu 107,6 milhões de toneladas de gás carbônico em 2020, o que corresponde a cerca de 5% das emissões totais brasileiras.

Minas Gerais já passou por dois dos maiores crimes ambientais do país, em Mariana e Brumadinho, ambos causados por rompimentos de barragens de rejeitos de mineração. Não podemos aguardar novos crimes que podem ser agravados pelos impactos da crise climática em um estado que é uma bomba-relógio de barragens.

É urgente a atualização de normativas de segurança de barragens e a cobrança para que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) revise os licenciamentos ambientais com novos critérios, atendendo ao contexto da crise climática que se impõe. As estruturas também precisam ser readequadas, e os órgãos responsáveis devem realizar efetivas fiscalizações. E precisamos ir além, precisamos lutar pelo cumprimento da Lei Mar de Lama Nunca Mais e por zonas livres de mineração.

 

Bella Gonçalves é uma mulher, lésbica, lutadora pelo direito à cidade e deputada estadual de Minas Gerais (PSOL).

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Leia outros artigos de Bella Gonçalves em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa