Não há nada mais doce que a lembrança doce daquele olhar
Incrível que você vai ficando mais velho e começa a prestar mais atenção nas coisas. Vai pegando uma visão diferente. Coisas que nem prestava atenção fico de bobeira olhando por horas.
O sabor. Os sentidos. Os olhares. Os não olhares. A cor da roupa da moça bonita. O sorriso de um moço em situação de rua. O corre do lixeiro. O sorvete da sorveteria da quebrada. Uma foto antiga. Uma vitrine. Uma capa de um livro. Uma ideia de um tiozinho que ninguém dá a mínima pra ele.
Por anos a fio, quase todo domingo, depois do almoço, saboreava por saborear um doce que minha vó fazia. Era tão corriqueiro que não dava a mínima para esse doce. Muitas vezes, nem o comia. Fingia. Achava até ruim. Desperdiçava.
Até que a morte rondou nosso lar. Até que chegou. Até que não há mais doce. Há um amargo da falta do doce, doce. Um doce deletério. Um doce que amarga mais que o amargo de um agrotóxico jogado num mar de rosas. Elas não falam, né?
É, meu chegado. É, minha chegada. Só consigo trocar essa ideia agora, mas o amargo da língua parece que vai ficando doce.
E não há nada mais doce que a lembrança doce daquele olhar e daquele rosto doce.
Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do Coletivo Solidariedade Cidadã.
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Edição: Elis Almeida