Minas Gerais

Coluna

OPINIÃO | Assessorias Técnicas: a luta pela manutenção do direito dos atingidos

Imagem de perfil do Colunistaesd
Aedas realiza estudo sobre condições da água, solo, ar, poeira e potenciais riscos à saúde humana em Brumadinho - Foto: Aedas
Trabalho nas comunidades é essencial para garantir o direito à reparação

As Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) aos atingidos e atingidas pelos crimes da mineradora Vale em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, são um direito conquistado pela luta dos movimentos populares e que está assegurado pela Política Estadual dos Atingidos por Barragens, na Lei Estadual 23.795/2021.

Atualmente, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Instituto Guaicuy e o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) são algumas das entidades que atuam nas comunidades e ajudam a equilibrar o jogo e pressionar por justiça, diante de um dos maiores conflitos socioambientais da história do país, que foi o rompimento da barragem da Vale em 2019, no Córrego Feijão, em Brumadinho.

O crime atingiu dezenas de municípios até a represa de Três Marias, deixando um rastro de morte, modificando o modo de vida das comunidades, além de comprometer o abastecimento hídrico de Belo Horizonte.

O cenário atual é de um país no qual as mineradoras possuem lucros bilionários, recebem benesses fiscais e investem para contratar técnicos e especialistas que ajudam a disputar as ideias da população atingida, negando o mínimo de reparação às vítimas dentro dos processos judiciais. Outra estratégia utilizada pelas empresas é tentar vencer as pessoas atingidas pelo cansaço.

Por isso, pensando na paridade de condições, em um processo menos desbalanceado, que acaba sendo em favor das empresas criminosas, as populações atingidas sentiram necessidade de ter técnicos independentes das mineradoras, que pudessem atuar em favor das pessoas atingidas, garantindo o direito à informação, produzindo estudos e análises, que auxiliem na comprovação dos danos e no entendimento do processo judicial em disputa.

Acontece que, desde a implementação das ATIs, as Instituições de Justiça (IJs), em especial o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), têm atuado para limitar esse direito e, na prática, quase inviabilizá-lo.

No início da entrada das ATIs nos territórios, fizeram com que elas se tornassem subordinadas aos órgãos, na forma de assistentes técnicos dentro da Ação Civil Pública, que segue em curso para a reparação do crime.

Com essa subordinação, impuseram diversas atividades e deveres às ATIs, que não estavam previstas nos planos de trabalho iniciais, o que fez com que todo o planejamento de execução se complexificasse ou que, em partes, se tornasse inviável.

Redução do orçamento

Depois, já em 2021, as instituições da Justiça, junto ao governo de Romeu Zema (Novo) e às mineradoras criminosas, fizeram um acordo judicial sem participação das pessoas atingidas, no qual encerraram diversas perícias que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) iria fazer para levantamento e compreensão dos danos causados pelo crime. No mesmo acordo, impuseram de forma unilateral uma redução de orçamento às ATIs.

No início deste ano, alegando que os recursos estariam sendo gastos rápido demais, fizeram um corte orçamentário de 50% à Aedas, Guaicuy e Nacab, mesmo com as tarefas extras impostas e todo o cenário de insegurança jurídica colocada às gestões dessas assessorias.

A definição pela redução do orçamento foi tomada pelo Comitê de Compromitentes do Acordo Judicial de Reparação ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho que, além do MPMG e da DPMG, também é composto pelo governo de Minas e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Esse corte orçamentário resultou na demissão de mais de uma centena de técnicos comprometidos com as pessoas atingidas. Essas demissões causaram uma piora na prestação do serviço, que ficou fragilizado, com menos pessoas, tendo menos condições de estar junto das pessoas atingidas em seus diversos municípios, que são de uma extensão territorial enorme e possuem uma grande diversidade, que incluem povos indígenas, quilombolas, de terreiros, de comunidades de tradição religiosa ancestral de matriz africana, pescadores tradicionais e ribeirinhos.

Após intensa mobilização social das pessoas atingidas e de movimentos populares, que questionaram a precarização desse serviço, foi assinado um Termo de Compromisso entre as Assessorias Técnicas Independentes e as Instituições de Justiça, para conferir maior previsibilidade para a gestão dos recursos. Contudo, esse instrumento manteve o patamar de recursos do corte e persiste na precarização do serviço prestado.

Dessa forma, cabe analisar até que ponto o MPMG e DPMG estão de fato interessados em uma solução coletiva aos crimes causados pelas mineradoras no estado de Minas Gerais e até que ponto buscam a reparação integral dos danos sofridos pelas vítimas.

Em um processo no qual a centralidade do sofrimento da vítima não é respeitada, a reparação integral vai se tornando cada vez mais uma utopia.

 

Julia Bonifácio e Jonathan Hassen são advogados e participam do Núcleo de Juristas Laudelina de Campos Melo do Movimento Brasil Popular em Belo Horizonte/Minas Gerais

---

Leia outros artigos da coluna Direitos em Movimento no Brasil de Fato MG

---

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida