“O Arte é um dispositivo de produzir laços sociais e promover cidadania por meio do afeto. Como Oswald de Andrade dizia, grande escritor e artista brasileiro, ‘a alegria é a prova dos nove’. O Arte nos demonstra que a alegria e o afeto são, realmente, a ‘prova dos nove’ de crianças e adolescentes”. É assim que Políbio Campos, gerente da Rede de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, definiu o “Arte da Saúde: ateliê de cidadania” no evento que celebrou os 30 anos de existência do programa.
Criado em 1993, o Arte da Saúde é uma parceria entre a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a Cáritas Regional Minas Gerais, que se dedica à promoção da saúde, da autonomia e do empoderamento de crianças e adolescentes atendidos pela rede de saúde mental do município ou que convivem com desafios de vulnerabilidade social.
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O evento de comemoração aconteceu no dia 19 de outubro, na Fundação Nacional de Artes (Funarte), e reuniu mais de 300 crianças e adolescentes em um dia repleto de atividades que celebraram os resultados da união entre arte e saúde. Estavam presentes, também, monitores das oficinas oferecidas nas nove regionais de Belo Horizonte, coordenadores do Arte da Saúde, representantes da Secretaria Municipal de Saúde e da Cáritas Regional Minas Gerais.
O Arte da Saúde utiliza a arte como uma ferramenta para promover a cidadania e fortalecer a autonomia dos participantes, auxiliando crianças e jovens a lidar com diferentes questões sociais que podem interferir em seu desenvolvimento psicossocial e educacional. O programa foi um dos primeiros apoiados pela Cáritas Minas Gerais, em parceria com a gestão pública, ainda no início da década de 1990.
Desde então, a instituição mantém a parceria por acreditar no potencial de transformação da sociedade por meio de construções coletivas, como explica o secretário regional da Cáritas Minas Gerais, Samuel da Silva.
“Acreditamos que a construção em coletivo e os diálogos permanentes criam projetos sustentáveis. O Arte da Saúde é um desses programas que têm um resultado de impacto muito grande, principalmente com um público que, geralmente, é esquecido pelo poder público. Chegando agora nestes 30 anos, é importante alimentarmos a discussão para que o Arte vire uma política pública permanente, pois é assim que acreditamos que uma política pública deve surgir: a partir da perspectiva das comunidades”, afirma.
Promoção de saúde por meio do estímulo à expressão artística
Com 51 oficinas, o programa atende, hoje, quase mil crianças e adolescentes das nove regionais da capital. Ao público, são oferecidas aulas em diferentes modalidades, decididas de acordo com as características e demandas de cada regional: dança, música, arte urbana, teatro, artesanato, desenho e pintura são algumas opções de oficinas.
Renata Mascarenhas, da Diretoria de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde, endossou que a expansão do programa é também uma expectativa de toda a equipe da saúde que constrói o Arte.
“Nosso desejo é que as 51 oficinas possam, em um curto espaço de tempo, se transformar em mais de 150, ofertadas em cada centro de saúde. Sabemos que cada território possui suas especificidades e necessidades, e proporcionar essas oficinas é uma oportunidade de uma vida melhor para as crianças e adolescentes. Fico muito feliz em saber que fazemos parte dessa trajetória possibilitada por um Sistema Único de Saúde (SUS) forte, que tem muito a contribuir para a melhoria de vida das pessoas”, aponta.
O critério de seleção dos monitores das oficinas não é focado em formação profissional na área de saúde mental e, sim, na importância de que o profissional seja artista, artesão ou professor das áreas da arte, da música ou da cultura. Além disso, outro diferencial do programa é a seleção de monitores que também são moradores da própria regional onde a oficina é oferecida. Ao conhecer a realidade social em que as crianças e os adolescentes vivem, é estabelecida uma maior proximidade entre monitores, participantes, familiares e profissionais da saúde, o que impulsiona o desenvolvimento individual das crianças e adolescentes.
Professora de música e responsável pela oficina de flauta na regional Nordeste, Poliana Soares entende como o vínculo entre monitores e alunos anda de mãos dadas com o desenvolvimento individual. Há 15 anos, Poliana já acompanhou a transformação de centenas de crianças e adolescentes, e fala com entusiasmo sobre a rotina de trabalho que, apesar de intensa, é recompensadora.
“Cheguei no Arte há quase 15 anos, momento que fiquei completamente perdida porque estava acostumada com um público de escola regular. Precisei reaprender muitas coisas, a principal delas é que cada indivíduo merece um tratamento exclusivo. Esse olhar cuidadoso faz um diferencial gigantesco na vida deles. Quando recebo um telefonema de uma mãe me contando sobre a transformação do filho, sinto que o nosso trabalho está no caminho certo. Quando eu tiro uma flauta de dentro da bolsa, de fato a magia acontece”, relata.
Além das oficinas, o programa promove visitas a museus, exposições, espetáculos de teatro, dança e sessões de cinema, proporcionando a socialização e fortalecendo o senso de comunidade. O coordenador do Arte da Saúde, Adriano Gonçalves, afirma que o programa tem cumprido a missão como ateliê de cidadania, o que ficou simbolizado no encontro de celebração na Funarte.
“Promovemos um movimento intenso pela cidade. Os meninos saíram de suas regionais e foram para a Funarte em 11 ônibus. Ao ocuparmos esse espaço no Centro da nossa cidade para realizar uma exposição artística com obras feitas pelos participantes do programa, traduz simbolicamente a nossa missão em contribuir para a construção da cidadania e da autonomia desses jovens e de seus familiares”, exemplifica.
O contato de Luiz Felipe Conceição com a arte foi ferramenta essencial para a melhoria da sua saúde. Ainda criança, o jovem passou por um tratamento grave de saúde, momento que ficou internado e precisou de intubação. A superação do desafio veio por meio dos desenhos, porta de entrada para o universo artístico.
Hoje, com 13 anos, Luiz Felipe participa há um ano das oficinas de flauta ministradas pela professora Poliana. Desde então, vem percebendo mudanças importantes em sua vida. “Participar das aulas de flauta vem me ajudando muito a ficar mais tranquilo em casa e na escola, diminuiu bastante a minha ansiedade. Meus pais perceberam que a minha postura melhorou, que eu estou mais tranquilo e ainda mais dedicado com os estudos e os desenhos que eu gosto de fazer”, conta.
Luiz, que participa do programa na regional Norte, é também autodidata e expôs no evento de comemoração uma série de desenhos. “Além da flauta, eu amo desenhar. A minha especialidade são os animes, mangás e os desenhos realistas, que faço com base nos personagens que eu gosto dos programas de televisão que eu assisto”, complementa.
Luta pelo fim da estigmatização
Quando criado, o Arte tinha como público-alvo menores de idade que conviviam com déficits cognitivos, hiperatividade e distúrbios de comportamento. Hoje, também atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, promovendo cidadania e fortalecimento de autonomia por meio do investimento no potencial artístico de cada participante.
É por esse motivo que a atuação junto a crianças e adolescentes acontece de forma articulada com a rede do Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte. Nos centros de saúde das regionais, as famílias encontram um profissional da saúde mental que acompanha de perto o desenvolvimento da criança ou do adolescente, com encontros periódicos junto aos monitores e a inclusão por completo dos familiares nas ações do Arte, o que permite uma maior proximidade com a realidade de cada caso.
Para Rosalina Martins, psicóloga e idealizadora do Arte, é justamente esse olhar especial de forma ampla e atenta ao potencial do participante que vem transformando vidas há tantos anos.
“Antigamente, a gente ouvia muito falar da 'criança problema', da 'criança especial', daquela que não vai evoluir de jeito nenhum. O nome do programa vem dessa ideia, da atenção especial à saúde das crianças e dos adolescentes. É um olhar para o potencial de cada um para além de qualquer diagnóstico ou definição social, é a fuga da psicologização, dos remédios. O Arte foi criado para que a criança possa ter outros espaços que não seja o da exclusão e da estigmatização”, endossa.
Os 30 anos de atuação do Arte da Saúde vêm sendo reconhecidos. No ano de 1999, o programa foi selecionado entre os dez melhores projetos pelo Prêmio Itaú/Unicef: educação e participação. Em 2007, o Arte da Saúde foi ganhador do primeiro lugar da premiação Experiências Exitosas em Psicologia e Políticas Públicas, do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.
Edição: Larissa Costa