Ele foi o primeiro namorado da minha mãe aos 62 anos dela
A gente se conheceu na fila de venda de tickets de cerveja, refrigerante e feijoada. Ele já estava reclamando do tempero do feijão de outra barraca. Já saquei que ele era uma das daquelas figuras maravilhosas que nosso Suassuna sempre falava. Ele disse na fila:
— Tomara que essa feijoada esteja melhor que a da barraca do outro lado. Deu uma reclamada e tirou do bolso uma espécie de cigarro de palha. Nem me ofereceu. Ainda soltou a primeira fumaça na minha cara.
Nosso bate-papo foi rendendo. Ele era bem-falante. Tinha um bigode muito parecido com o do Rivelino na Copa de 70, mas também lembrava aqueles velhos pagodeiros estilo Fundo de Quintal. A camisa estava bem aberta. E os óculos na cara. E um correntão com crucifixo.
Descobri que ele já estava com quase 100 anos. Já me espantei com a idade e a vitalidade dele. Não aparentava de jeito algum. Ele parecia uma formiga atômica: baixinho, fortinho e falante.
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Pegamos as cervejas, os refrigerantes e os pratos de feijoada. Ele me convidou para a mesa onde estava sua família. Sentei ao lado de um filho que se apresentou como agricultor familiar. Foi ali que me surpreendi ainda mais com a história daquele amigo que fiz na fila da feijoada.
Conversa vai e vem, descubro que ele fora pai aos 72 anos. Isso mesmo que vocês leram: 72 anos. Que, ainda, sua mulher fora sua primeira namorada. Minha ficha começou a cair. O filho dele me explicou:
— Papai e mamãe nasceram no mesmo lugar há muito tempo. Cada um foi pra um canto e se encontraram depois de quase 50 anos num churrasco da prima dela. Ele quase nem iria nesse churrasco. Um amigo dele que insistiu. Chegando ao churrasco bateu aquela velha paixão do passado. Descobriram que nenhum dos dois tinha casado, nem namorado ninguém. Ele foi o primeiro namorado da minha mãe aos 62 anos dela. Ela foi a primeira namorada aos 72 anos dele. Já são trinta anos juntos e com três filhos. Eu sou o filho mais velho.
- Interessante e surpreendente – eu disse a ele.
- Papai quer viver até 150 anos. Faz até novena pra isso. Outro dia, tivemos um grande susto com ele e a mamãe. Um susto e tanto. Achamos que teríamos mais um irmãozinho. Achamos graça e, ao mesmo tempo, ficamos preocupados com a mamãe. Desses dois aí não duvidamos de nada. Já imaginamos a manchete dos jornais:
“Idosos de quase cem anos serão pais novamente”. Pensa no burburinho na nossa cidade? O povo já adora uma fofoca, né?
Nessa hora, me levantei e me despedi da família com essa história maravilhosa. Sentado na cadeira do fundo, o patriarca da família gritou:
- Feijão sem tempero é duro de aturar, caboclo. De longe, dei positivo com a mão.
Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do coletivo Solidariedade Cidadã
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Leia outras crônicas de Rubinho Giaquinto em sua coluna no Brasil de Fato MG
Edição: Elis Almeida