Minas Gerais

PRIVATIZAÇÃO

Obras paradas, escândalos e prejuízos aos cofres públicos: a venda do metrô de BH valeu a pena?

Avaliada em R$ 900 milhões, empresa do grupo Comporte pagou apenas R$ 25 milhões pela linha da capital mineira

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Avaliado em R$ 900 milhões, metrô foi vendido por R$ 25,7 milhões - Foto: Metrô BH / Divulgação

Além do abrupto aumento no valor da tarifa, críticas ao processo de venda, demora na realização de obras e escândalos envolvendo a empresa que comprou o metrô de Belo Horizonte seguem em evidência, mesmo após seis meses de privatização.

Em dezembro do ano passado, por insistência do governador Romeu Zema (Novo) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o metrô da capital mineira foi leiloado por pouco mais de R$ 25,7 milhões, mesmo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) avaliando a antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) em R$ 900 milhões. A empresa que venceu o leilão foi a Metrô BH, do grupo Comporte.

Ao longo de todo o processo de venda, o Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro-MG) e outras organizações que defendem o caráter público do transporte denunciaram uma série de irregularidades.

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“O sindicato levantou uma série de irregularidades. Nós acompanhamos a elaboração de um parecer que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) fez na época, no qual havia aproximadamente 47 irregularidades de diversas ordens”, relembra Daniel Carvalho, que é secretário-geral do Sindimetro-MG.

Outra questão do contrato que gerou polêmica, foi o investimento de aproximadamente R$ 3 bilhões do governo federal e R$ 450 milhões do governo de Minas Gerais. O aporte estadual tem origem no acordo firmado com a mineradora Vale para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Diante desse cenário, críticos afirmam que, além de vender o patrimônio público por um valor baixo, comparado com o valor real estimado da estrutura da CBTU em Belo Horizonte, a maior parte dos recursos voltados para o cumprimento das cláusulas do contrato, como a ampliação da linha atual e a construção da segunda linha, são públicos.

Mesmo assim, Daniel Carvalho relata que houve um processo de relativização das irregularidades, culminando na privatização do metrô pelos próximos 30 anos.

“O que a gente teve não foi uma venda. Foi uma entrega, literalmente, do patrimônio para um empresa que vai sucatear e reduzir o número de viagens ao extremo com o único objetivo de obter lucro”, avalia o sindicalista.

Muito tempo para pouco resultado

Mesmo com todo o aporte financeiro, a população belo-horizontina, que já espera há mais de 20 anos pela sonhada criação da linha 2 do metrô, que chegaria até a região do Barreiro, terá que esperar um pouco mais.

Isso porque, segundo a Metrô BH, as obras de construção da linha devem começar no ano que vem e finalizar apenas em outubro de 2027.

Na avaliação do metroviário Diego Augusto Guimarães, a entrega é muito pequena, diante de três décadas de concessão. Ele ainda compara a experiência da capital mineira com a da expansão do metrô de Xangai. Segundo ele, enquanto a empresa do grupo Comporte promete construir dez quilômetros de ferrovias em 30 anos, na cidade chinesa, a expansão foi de 800 quilômetros, no mesmo período de tempo.

“Eles anunciaram essa obra como se fosse algo magnífico”, afirma. “Eles diziam: ‘vamos privatizar para ampliar o metrô’, mas enganaram a população com esse discurso”, completa Diego.

Além da demora, cerca de 250 famílias devem ter que sair de suas casas para a construção da nova linha. Além da região do Barreiro, elas residem principalmente nos bairros Gameleira, Nova Gameleira, Nova Cintra, Betânia e Vista Alegre.

Experiências fracassadas

Além da recente experiência da capital mineira, que já coleciona uma série de impactos negativos, outros casos, a exemplo do Rio de Janeiro e de São Paulo, também são considerados fracassados.

Em fevereiro deste ano, completou-se 25 anos desde a privatização do metrô da capital fluminense. Atualmente, a população relata superlotação, atrasos, redução das linhas e falta de manutenção. Além disso, a tarifa chegou a R$ 6,90, a mais cara do Brasil.

Ao mesmo tempo, na capital paulista, apenas entre janeiro e outubro deste ano, as linhas privatizadas apresentaram quase três vezes mais falhas que as geridas pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

As empresas privadas que operam as linhas do metrô em São Paulo recebem, em média, do governo estadual um pagamento por passageiro até 74% maior do que é pago à estatal.

Escândalos

O dono do grupo Comporte, que comprou o metrô de BH, é o empresário Nenê Constantino. Além de ser proprietário da maior frota de ônibus do país e sócio fundador da empresa de transporte aéreo Gol, ele também é conhecido pelo envolvimento em uma série de escândalos.

Em 2017, ele foi condenado pelo Tribunal do Júri do Distrito Federal a 28 anos de prisão, considerado mandante de dois homicídios: de um líder comunitário e de um funcionário de uma das suas empresas de transporte.

Em março do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a condenação. Porém, as polêmicas não param aí. Em 2007, ele foi acusado de manter trabalho análogo à escravidão em uma de suas propriedades. Na época, ele declarou que vendeu o terreno e abriu mão de ser sócio no empreendimento que lá acontecia.

Para Diego Augusto Guimarães, ainda que as denúncias devam ser investigadas pelos órgãos competentes, a população tem o direito de fazer questionamentos.

“A gente como cidadão tem que questionar o investimento do Estado de dinheiro público na empresa dessa família, é isso que a gente tem que questionar. Esse dinheiro é um dinheiro da população, do povo, e não deve ser usado para subsidiar uma empresa de uma família ligada a trabalho análogo a escravidão, por exemplo”, comenta o metroviário.

Além dos escândalos envolvendo Nenê, recentemente, a Metrô BH anunciou parceria com a Alstom, empresa francesa que já foi condenada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por corrupção, improbidade administrativa e formação de cartel. As obras de ampliação do metrô de São Paulo apareceram entre as denúncias.

Em 2014, devido a acusações de suborno, a empresa também foi condenada a pagar US$ 772 milhões em multas.

Outro lado

Procurada para comentar sobre o caso, a Metrô BH não respondeu até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.

Edição: Larissa Costa