Somado ao subfinanciamento, há o sucateamento e campanha midiática contra o SUS
Reestatizem o SUS! Isso mesmo, reestatizem o SUS, ele está sendo privatizado. O termo “terceirização” não comporta mais o que vem acontecendo na Saúde Pública do Rio de Janeiro, nem do Brasil. Até Parceria Público Privada foi implementada na maior emergência pública da América Latina, o Hospital Municipal Souza Aguiar. Uma concessionária dentro do SUS. Concessionária e acionistas. Sejamos claros, sem eufemismos, é privatização.
A privatização do SUS está promovendo a entrega do SUS ao capital privado. Com isso, o objetivo deixou de ser o Estado de bem-estar social, a saúde, e virou o lucro de grandes empresários. O “olho grande” do empresariado está em ocupar o mercado de saúde que é altamente lucrativo, e especialmente o do Brasil, um país de dimensões continentais, que possui um grande mercado consumidor.
Empresas privadas com foco na Saúde Pública querem lucrar com o SUS, e promovem um desserviço adicional ao precarizar o atendimento, para que a qualidade da assistência piore, e assim, as grandes redes de hospitais privados, incluindo as internacionais, que funcionam fora do SUS, possam ampliar seu alcance. Se antes as redes de hospitais privados eram focadas em um perfil de consumidores de alta renda, agora passam a buscar clientes de mais baixa renda aumentando a abrangência do mercado, com um atendimento que não irá suprir as demandas reais da população.
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Além de toda dinâmica prejudicial que se estabelece quando há o objetivo de direcionar recursos do SUS para o lucro de grandes empresários, há um problema adicional. A privatização é extremamente útil aos interesses de ocasião da política.
Um trabalhador terceirizado vai precisar “se adequar” ao jogo político para permanecer no emprego, ele ficará sujeito a chantagens políticas para manter o candidato X no poder. O assédio eleitoral será utilizado como projeto de perpetuação de poder, tendo como moeda o emprego do trabalhador da Saúde. A substituição do servidor estatutário pelo terceirizado é um ataque aos alicerces do sistema de saúde, pois o trabalhador sem estabilidade tem o seu poder político abalado. A privatização do SUS produz impactos não só sociais ou econômicos, mas também efeitos políticos.
Algumas manobras na execução da privatização do SUS entram em cena. Há sempre um discurso que tenta se apoiar na razoabilidade, com roupagem de tecnicidade, pois a privatização é tão desvantajosa para o povo, que sem “enfeites” seria difícil passar.
E assim como já vimos acontecer em outras estatais, primeiro, deixa-se faltar dinheiro no SUS da administração direta, implementando-se um projeto de subfinanciamento contínuo que é claramente evidenciado anualmente na Lei Orçamentária. No caso do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes, desde seu primeiro mandato, a cada ano reduz mais o financiamento do SUS.
Somado ao subfinanciamento, há o sucateamento com uma intensa campanha midiática. A grande imprensa aqui cumpre um papel central. Mostra hospitais lotados, pacientes nos corredores, uma campanha poderosa contra o SUS público. Em Belo Horizonte, essa estratégia também é utilizada para ampliar a desconfiança da população com o serviço público de saúde.
Fazem esse sucateamento também colocando o trabalhador da administração direta, o estatutário da Saúde, que é indesejável, no limite de sua capacidade laborativa, e por exemplo, onde deveriam trabalhar 6, disponibilizam apenas 2 profissionais. Consequentemente por não terem condições de dar conta da demanda, a qualidade do serviço despenca, manobra essa que vai justificar as contratações via Organizações Sociais, OSS, sem concursos públicos.
Depois de colocar o servidor estatutário em um número aquém da necessidade, e propagandear “que se privatizar vai melhorar”, as empresas privadas entram com um número superior de profissionais e com mais dinheiro. Muito mais dinheiro, nesse primeiro momento. Dinheiro público, é claro. Durante um curto período o serviço vai ter uma aparência de melhora. Porém, é falso. As condições de trabalho do terceirizado vão em sequência piorar, este trabalhador será empurrado para fora do SUS, indo embora mais rapidamente inclusive, já que não é estável, gerando uma rotatividade de profissionais que aniquilará de vez a possibilidade de um sistema de saúde de qualidade e humanizado. Aqui se desenvolve um ciclo de destruição do SUS.
Outro dispositivo usado para avançar na privatização do SUS é a máscara de gestão, de eficiência das terceirizações. A atuação da mídia hegemônica aqui também é peça chave. Não faltam matérias e fotos dos governantes nas novas edificações. O foco da propaganda é, principalmente, a nova estrutura física construída, em geral esquecendo-se das estruturas antigas que já existem e que “caem aos pedaços”. Pouco se fala da importância da qualificação, valorização e investimento na formação dos profissionais.
É importante lembrarmos que não é possível promover saúde com paredes, sem profissionais. Mais que estrutura física, para um atendimento eficiente, que vá ao cerne do problema, é preciso profissionais capacitados que possuam vínculo com a população de suas regiões de atuação.
Diante de todo esse cenário, o trabalhador estatutário no SUS enfrenta uma batalha para sobreviver. No caso do município do Rio de Janeiro, a luta pelo Plano de Carreiras Cargos e Salários (PCCS) já dura mais de treze anos e as ações do atual governo vem se dando no sentido de não fornecer o direito, que é estabelecido legalmente desde a concepção do SUS. A saúde é a pasta do funcionalismo público do município com os salários mais baixos. Historicamente, os salários nunca estiveram tão ruins, a precarização no trabalho avança e não há medidas efetivas para que esse quadro se altere.
Mesmo com a participação intensa dos servidores em audiências públicas, na insistência de diálogo com o prefeito e nas conversas com os vereadores, o resultado que temos é o congelamento dos triênios, recomposição do último ano abaixo dos valores inflacionários, e nenhuma disponibilidade para a implementação do PCCS.
O Brasil é trilionário. Nosso país é muito rico. Um dos problemas centrais é que mais de 51% de todo o orçamento federal executado, segundo a Auditoria Cidadã, tem sido direcionado para pagar juros. Juros da dívida pública, e não propriamente a dívida. A pasta da saúde recebe apenas 4% de todo o orçamento federal, segundo dados de 2021. É preciso lutar contra esses juros. É preciso ainda lutar contra os altíssimos juros do banco central “independente”, mas que na verdade é dominado pelo mercado.
Além disso, é preciso direcionar os recursos destinados ao SUS para o local correto que definitivamente não é para a mão do grande empresariado nacional e internacional que domina o mercado de Saúde.
A luta desenvolvida pelos servidores estatutários da saúde do município do Rio, deu origem ao Movimento ReestatizaSUS. O Movimento não recebe financiamento de ONGs estadunidenses. Nem financiamento de Paulo Lemann, banqueiro e dono da AMBEV. O Movimento ReestatizaSUS é constituído pela classe trabalhadora que atua na ponta do SUS, e que está sendo expulsa de seus postos de trabalho. A luta do ReestatizaSUS é contra o grande capital e contra a política que trabalha a serviço deste capital. A luta é pela Reestatização do SUS e pelo PCCS da saúde municipal.
Sabemos que o servidor estatutário está na contramão da política de privatização. Valorizar o trabalhador de Estado significa frear a privatização, frear interesses políticos de ocasião e contribuir para o bem-estar da população.
Queremos um SUS público, 100% estatal. Queremos a valorização do servidor. Queremos o PCCS da saúde municipal. Não somos apenas contra a privatização. Somos a favor da reestatização do que já foi privatizado. Esse é um diálogo que também queremos fazer com os servidores do SUS e a população de Minas Gerais. Convocamos a todos: organizações, instituições, sindicatos, comunidade, políticos, defensores do SUS, a se somarem ao Movimento, venham para a luta!
O SUS é do povo brasileiro!
Maristela Groba Andrés é fisioterapeuta do SUS e Lusiana Chagas Gerzson é psicóloga do SUS, ambas integram o Movimento ReestatizaSUS
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida